terça-feira, 20 de julho de 2010

Revisão sem sustentação científica

Por Fábio de Castro
da Agência FAPESP

A revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, está provocando sérias preocupações na comunidade científica e suscitando diversas manifestações no Brasil e no exterior.

Com uma possível aprovação do relatório que propõe mudanças na legislação ambiental, o Brasil estaria “arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século, com consequências críticas e irreversíveis que irão além das fronteiras do país”, segundo carta redigida por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP e publicada na sexta-feira (16/7), na revista Science.

O texto é assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.

As novas regras, segundo eles, reduzirão a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, “as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente” e, a partir de simples análises da relação espécies-área, é possível prever “a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”.

A comunidade científica, de acordo com o texto, foi “amplamente ignorada durante a elaboração” do relatório de revisão do Código Florestal. A mesma crítica foi apresentada em carta enviada por duas das principais instituições científicas do país, no dia 25 de junho, à Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara dos Deputados.

Assinada por Jacob Palis e Marco Antonio Raupp, respectivamente presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a carta defende que o Código Florestal, embora passível de aperfeiçoamentos, é a “peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo”.

A reformulação do código, segundo o texto, baseia-se na “premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira” e “não foi feita sob a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos”.

Entre as consequências de uma aprovação da proposta de reformulação, a carta menciona um “aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis”, a “aceleração da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras”, o estímulo à “impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente”, um “decréscimo acentuado da biodiversidade, o aumento das emissões de carbono para a atmosfera” e o “aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos”.

No dia 16 de junho, as lideranças da Câmara dos Deputados também receberam carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP –, que fez duras críticas ao relatório de reformulação da legislação.

Reconhecido como um dos principais conhecedores do bioma amazônico, Ab’Sáber defendeu que, “se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território”. Segundo o geógrafo, a proposta foi apresentada anteriormente ao Governo Federal, mas a resposta era de que se tratava de “uma ideia boa mas complexa e inoportuna”.

No documento, Ab’Sáber afirma que “as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva”. Segundo ele, “enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico”.

Mudanças para pior

De acordo com Joly, que é coordenador do Biota-FAPESP, caso a reformulação seja aprovada, o Código Florestal mudará para pior em vários aspectos. “Essas manifestações da comunidade científica vão continuar, porque a situação é muito grave. Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões”, disse à Agência FAPESP.

Segundo ele, as mudanças terão impacto negativo sobre a conformação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) e sobre o funcionamento da regularização de propriedades em situação ilegal. Atualmente, explica, os proprietários que não possuem RL ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar as áreas degradadas, ou quando realizarem desmatamento ilegal. Nessas condições, podem até mesmo ter sua produção embargada.

“Mas se a proposta de mudança for aprovada, os Estados terão cinco anos, após a aprovação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período ninguém poderá ser multado e as multas já aplicadas serão suspensas. Aqueles que aderirem à regularização poderão ser dispensados definitivamente do pagamento de multas. Ficarão livres também da obrigação de recuperar as áreas ilegalmente desmatadas”, explicou.

Em relação às APPs, a legislação atual protege no mínimo 30 metros de extensão a partir das margens de rios, encostas íngremes, topos de morros e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.

Se a nova proposta for aprovada, a faixa mínima de proteção nas beiras de rios será reduzida a 15 metros. Topos de morro e áreas acima de 1.800 metros deixam de ser protegidas. As demais áreas, mesmo formalmente protegidas, poderão ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e forem consideradas “áreas consolidadas”.

“As principais candidatas a se tornar áreas consolidadas são justamente as áreas irregularmente ocupadas, que sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios. Como não haverá recuperação e as ocupações permanecerão, essas áreas serão condenadas a conviver eternamente com esses problemas, perpetuando tragédias como as de Angra dos Reis, do Vale do Itajaí e Alagoas”, disse Joly.

No que diz respeito à RL, a lei atual impõe um mínimo de vegetação nativa em todas as propriedades: de 20% do tamanho dos imóveis situados em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas e, na Amazônia Legal, 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada precisa recuperar espécies nativas ou compensar a falta de reserva no imóvel com o arrendamento de outra área preservada situada na mesma bacia hidrográfica.

Com a nova proposta, as propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso o desmatamento tenha ocorrido até a promulgação da lei. Nas demais propriedades será preciso recuperar a vegetação, mas o cálculo não será feito com base na área total do imóvel: a base de cálculo é a área que exceder quatro módulos fiscais.

Além disso, as compensações poderão ser feitas com áreas situadas a milhares de quilômetros da propriedade, desde que no mesmo bioma. O proprietário terá também a opção de fazer a compensação em dinheiro, com doação a um fundo para regularização de unidades de conservação.

“Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no Sul e Sudeste, haverá grandes áreas do país em que simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são essas áreas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação ‘consolidada’. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas da obrigação de recuperação – algo que já está ocorrendo”, destacou Joly.

A proposta de reformulação proíbe a fragmentação das propriedades. Mas, segundo Joly, a fiscalização e coibição é extremamente difícil e, por isso, a anistia não ficará restrita às pequenas propriedades. “Os poucos que forem obrigados a recompor áreas desmatadas poderão fazer isso com espécies exóticas em até metade da propriedade, ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, dificultando a fiscalização”, disse.

Desproteção e impacto nas águas

Ricardo Ribeiro Rodrigues, que coordenou o programa Biota-FAPESP de 2004 a 2008, criticou o principal argumento para a defesa da reforma do Código Florestal: a alegação de que não existe mais área disponível para expansão da agricultura brasileira.

“O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade”, afirmou.

Segundo ele, o entorno das rodovias Dutra e D. Pedro, na região da Serra da Mantiqueira e Serra do Mar, são exemplos de áreas de uso agrícola inadequado que poderiam ser revertidas para florestas nativas, para compensação de RL de fazendas com elevada aptidão agrícola. “Se isso não for feito, essas áreas continuarão sendo mal utilizadas. Podemos encontrar exemplos semelhantes em todo o território brasileiro”, disse.

Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração, segundo Rodrigues, é a anistia proposta para as APPs irregulares. “Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido”, explicou.

Segundo ele, um inventário produzido pelo Biota-FAPESP este ano mostra que mais de 70% dos remanescentes florestais no Brasil estão fora das Unidades de Conservação e se localizam em propriedades privadas. “Se não tivermos mecanismos legais para a conservação dessas áreas – como a RL e APP do código atual – elas vão ser degradadas depois da moratória de cinco anos determinada na proposta de alteração do Código”, afirmou.

A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água. De acordo com José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, de São Carlos (SP), com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.

“A preservação de mosaicos de vegetação, florestas ripárias – ou matas ciliares – e de áreas alagadas é fundamental para a manutenção da qualidade da água de rios, lagos e represas. Essa vegetação garante a capacidade dos sistemas para regular o transporte de nutrientes e o escoamento de metais e poluentes. Esses processos atingem tanto as águas superficiais como as subterrâneas”, disse à Agência FAPESP.

O processo de recarga dos aquíferos, segundo Tundisi, também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa e os aquíferos secam.

Tundisi criticou também a diminuição da delimitação das áreas preservadas em torno de rios. “Essa delimitação de faixas marginais é sempre artificial, seja qual for a metragem. Não é possível estabelecer de forma geral uma área de preservação de 15 metros dos dois lados do leito dos rios. Seria preciso delimitar caso a caso, porque a necessidade de preservação varia de acordo com a ecologia do entorno e os padrões de inundação do sistema. A delimitação deve ter caráter ecológico e não se basear em metragens”, ressaltou.

A modificação na legislação, para Tundisi, vai na contramão das necessidades de preservação ambiental. “Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo. Enquanto existem movimentos mundiais para a preservação de várzeas, nós corremos o risco de ir na contramão”, afirmou.

Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio. “Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibildade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida”, disse.

A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água. “Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais”, disse o cientista.
Argumentação desmontada

Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Cena-USP e professor convidado da Universidade de Stanford, afirma que o Código Florestal, criado em 1965, de fato tem pontos que necessitam de revisão, em especial no que diz respeito aos pequenos agricultores, cujas propriedades eventualmente são pequenas demais para comportar a presença das APPs e a RL.

“Mas, qualquer que seja a reformulação, ela deve ter uma base científica sólida. Essa foi a grande falha da modificação proposta, que teve o objetivo político específico de destruir ‘empecilhos’ ambientais à expansão da fronteira agrícola a qualquer custo”, disse Martinelli.

Segundo ele, o argumento central da proposta de reformulação foi construído a partir de um “relatório cientificamente incorreto encomendado diretamente pelo Ministério da Agricultura a um pesquisador ligado a uma instituição brasileira de pesquisa”.

“O relatório concluía que não haveria área suficiente para a expansão agrícola no país, caso a legislação ambiental vigente fosse cumprida ao pé da letra. O documento, no entanto, foi produzido de forma tão errônea que alguns pesquisadores envolvidos em sua elaboração se negaram a assiná-lo”, apontou.

O principal argumento para as reformas, segundo o pesquisador, baseia-se na alegação de que há um estrangulamento da expansão de terras agrícolas, supostamente bloqueado pelas APPs e RL. Para os proponentes da mudança, esses mecanismos de proteção ambiental tornam a legislação atual excessivamente rigorosa, bloqueando o avanço do agronegócio. Esse bloqueio, no entanto, não existe, afirma. “A falácia desse argumento foi cientificamente desmontada.”

Martinelli cita estudo coordenado por Gerd Sparovek, pesquisador da Esalq-USP, que usou sensoriamento remoto para concluir que a área cultivada no Brasil poderá ser praticamente dobrada se as áreas hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade forem realocadas para o cultivo agrícola.

“Melhorando a eficiência da pecuária em outras áreas por meio de técnicas já conhecidas, não há qualquer necessidade de avançar sobre a vegetação natural protegida pelo Código Florestal atual”, disse.

As pastagens ocupam hoje, segundo Martinelli, cerca de 200 milhões de hectares, com aproximadamente 190 milhões de cabeças de gado. “Caso dobremos a lotação de uma para duas cabeças de gado, liberamos cerca de 100 milhões de hectares. A área ocupada pelas três maiores culturas – soja, milho e cana – cobrem uma área aproximada de 45 milhões de hectares. Portanto, com medidas simples de manejo poderemos devolver para a agricultura uma área equivalente ao dobro ocupado pelas três maiores culturas brasileiras”, afirmou.

A operação não seria tão simples, segundo o pesquisador, já que envolve questões de preço da terra e mercado agrícola, por exemplo. Mas a aproximação dá uma ideia de como é possível gerar terras agriculturáveis sem derrubar nenhuma árvore.

Para o pesquisador do Cena-USP, a maior parte das reformulações propostas tem o único propósito de aumentar a área agrícola a baixo custo. “O mais paradoxal é que as mudanças beneficiam muito mais os proprietários de grandes extensões de terra do que pequenos produtores”, disse.

Martinelli afirmou ainda que não acredita que as mudanças no Código Florestal possam beneficiar o desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil. Segundo ele, se houvesse preocupação real com a produção de alimentos, o governo deveria ampliar e facilitar o crédito ao pequenos produtores, investir em infraestrutura – como estradas e armazenamento – para auxiliar o escoamento desses produtos e, principalmente, investir maciçamente em pesquisas que beneficiassem essas culturas visando a aumentar sua produtividade.

“Quem sabe com um aumento considerável na produtividade pequenos agricultores pudessem manter suas áreas de preservação permanente e suas áreas de reserva legal, gerando vários serviços ambientais que são fundamentais para a agricultura”, disse.

Novos debates

No dia 7 de julho, a SBPC reuniu em sua sede em São Paulo um grupo de cientistas ligados à temática do meio ambiente para iniciar uma análise aprofundada sobre o assunto, do ponto de vista econômico, ambiental e científico.

O evento teve a participação de Raupp, Ab’Sáber, Joly, Martinelli, Rodrigues, além de Ladislau Skorupa, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e João de Deus Medeiros, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Os cientistas formaram um grupo de trabalho para emitir pareceres sobre as mudanças do Código Florestal. Na Reunião Anual da SBPC, que será realizada em Natal (RN) entre 25 e 30 de julho, uma mesa-redonda discutirá o tema.

Outra reunião, prevista para a segunda quinzena de agosto, deverá sistematizar todas as sugestões do grupo em um documento a ser divulgado nos meios de comunicação e encaminhado aos congressistas.

No dia 3 de agosto, o programa BIOTA-FAPESP realizará o evento técnico-científico "Impactos potenciais das alterações do Código Florestal Brasileiro na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos". Na oportunidade, especialistas farão uma avaliação dos possíveis impactos que as alterações do Código terão sobre grupos taxonômicos específicos (vertebrados e alguns grupos de invertebrados), bem como em termos de formações (Mata Atlântica e Cerrado) e de serviços ecossistêmicos (como ciclos biogeoquímicos e manutenção de populações de polinizadores). Além de reforçar a base cientifica sobre a importância das APP e de RL para conservação da biodiversidade, o evento visa a subsidiar a ABC e a SBPC no posicionamento sobre essa temática.

fonte: www.mst.org.br

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Saiba o que muda com o novo Código Florestal

Do Instituto Socioambiental


A proposta de reforma no Código Florestal, que será votada pela Câmara depois das eleições de outubro, foi aprovada ontem (6/7) pela Comissão Especial, com base no parecer do relator, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Vaiado pelos ambientalistas, Rebelo foi aplaudido pelos ruralistas. Entenda os principais pontos da proposta.

Em relação às APPs (Áreas de Preservação Permanente)

Como é a lei hoje

Protege no mínimo 30 m de extensão a partir das margens do rios, encostas íngremes (> 45º), topos de morro, restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.

Proposta aprovada

A faixa mínima, nas beiras de rio, agora é de 15 metros. Topos de morro e áreas com altitude superior a 1800 metros de altitude deixam de ser protegidas. Veredas passam a ser consideradas APPs. As demais áreas, embora continuem sendo formalmente protegidas, podem ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções caso tenham sido desmatadas até 2008 e sejam consideradas pelos governos estaduais como “áreas consolidadas”.

O que pode acontecer

Áreas que, por estarem irregularmente ocupadas, sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios, são as mais fortes candidatas a serem consideradas como áreas consolidadas e, portanto, condenadas a conviver eternamente com esses problemas, já que não haverá recuperação e as ocupações permanecerão. Tragédias como a de Angra dos Reis, Vale do Itajaí e Alagoas vão ser “legalizadas”.

Em relação à Reserva Legal

Como é a lei hoje

Todo imóvel tem de manter um mínimo de vegetação nativa. Nas propriedades rurais situadas nas áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas a reserva é de 20% do tamanho do imóvel. Na Amazônia Legal deve-se manter 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada tem que recuperar ou compensar. A recomposição deve ser feita com espécies nativas, ou então o proprietário pode compensar a falta de reserva em seu imóvel com o arrendamento de outra área, com vegetação preservada, situada na mesma bacia hidrográfica.

Proposta aprovada

Propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso ela tenha sido desmatada até a promulgação da lei. Nas demais propriedades ela deve ser recuperada, mas será menor do que atualmente, pois não será calculada com base na área total do imóvel, mas apenas na área que exceder 4 MF (se tiver 10 módulos, será calculada sobre 6). Além disso, será permitido compensar a área devida a milhares de quilômetros da área onde ela deveria estar, desde que no mesmo bioma. Poderá também ser transformada em dinheiro a ser doado a um fundo para regularização de unidades de conservação.

O que pode acontecer

Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no sul e sudeste, haverá grandes áreas do país onde simplesmente não haverá mais áreas com vegetação nativa, pois são essas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação “consolidada”. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas de recuperar, algo que já está acontecendo. Embora a proposta diga que isso não pode ocorrer, a fiscalização e coibição é extremamente difícil, o que significa que muito mais do que as “pequenas propriedades” serão anistiadas. Os poucos que tiverem que recompor vão poder fazer com espécies exóticas em até metade da área, ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, cuja fiscalização para saber se estão preservadas será também muito difícil, e, novamente, manterão suas áreas de origem sem a cobertura mínima necessária de vegetação.

Em relação à regularização ambiental e anistia

Como é hoje

Proprietários que não tenham a Reserva Legal ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar, ou quando desmatem ilegalmente. Podem também ter a produção embargada.

Proposta aprovada
Estados terão cinco anos, a partir da publicação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período, ninguém pode ser multado, e as multas já dadas ficam suspensas. Os que aderirem à regularização podem ser dispensados em definitivo do pagamento de multas e, como já dito, inclusive da recuperação das áreas ilegalmente desmatadas.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Em tempo de eleições majoritárias, é preciso estar atento para não votar em candidatos com a ficha suja de desmatamento, da destruição ambiental.

por Juliana Sada

A reforma do Código Florestal foi aprovada [...]. A votação foi acompanhada por ruralistas e ambientalistas, protagonistas de diversas manifestações que interromperam a sessão.

Entre as questões mais polêmicas do relatório está o fim da reserva legal para propriedades de até quatro módulos fiscais (na Amazônia isso corresponde a 400 hectares), isto é, não serão obrigadas a manter uma porção de vegetação original conservada. Com a aprovação desta mudança, não é de se espantar que grandes proprietários fracionem suas propriedades para burlar a legislação. Esta movimentação já foi detectada em Araçatuba pela reportagem da Folha de S.Paulo.

Outra mudança na lei à favor daqueles que desrespeitam o meio ambiente é a anistia para quem cometeu crimes ambientais até junho de 2008, data da segunda regulamentação da Lei de Crimes Ambientais. O relatório de Rebelo também prevê a redução da faixa de mata ciliar (das margens dos rios) de 30 metros para 15m, em rios com curso de até cinco metros.

O discurso de Aldo Rebelo, aliado ao dos ruralistas, é o da proteção da soberania brasileira. Alegam que por trás das ONGs estrangeiras que atuam no Brasil, há o interesse de impedir o crescimento do setor agropecuário brasileiro por meio da limitação da terras cultiváveis. Seria este o real interesse das ONGs quando discursam à favor da preservação do meio ambiente.

O relator afirma ainda que as mudanças no Código Florestal atendem aos interesses do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e de produtores rurais. De acordo com a Agência Câmara “o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) disse que não contesta a autoridade ou representação de entidades, mandatos ou personalidades, mas reivindica sua autoridade como representante do povo para falar em nome deles”. Entretanto, o MST e outros entidades representativas de trabalhadores rurais e camponeses assinaram um manifesto em repúdio ao relatório, alegando que este atende exclusivamente aos interesses dos ruralistas.

O substitutivo do Código Florestal deverá ainda passar pela Câmara, o que provavelmente ocorrerá apenas após as eleições de outubro.


Abaixo, a votação nominal ocorrida hoje


Anselmo de Jesus (PT-RO) – SIM
Homero Pereira (PR-MT) – SIM
Luis Carlos Heinze (PP-RS) – SIM
Moacir Micheletto (PMDB-PR) – SIM
Paulo Piau (PPS-MG) – SIM
Valdir Colatto (PMDB-SC) – SIM
Hernandes Amorim (PTB-RO) – SIM
Marcos Montes (DEM-MG) – SIM
Moreira Mendes (PPS-RO) – SIM
Duarte Nogueira (PSDB-SP) – SIM
Aldo Rebelo (PCdoB-SP)- SIM
Reinhold Stephanes (PMDB-PR)- SIM
Eduardo Seabra (PTB-AP) – SIM

TOTAL A FAVOR: 13

Dr. Rosinha (PT-PR) – NÃO
Ricardo Tripoli (PSDB-SP) – NÃO
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) – NÃO
Sarney Filho (PV-MA) – NÃO
Ivan Valente (PSOL-SP) – NÃO

TOTAL CONTRA: 5

fonte:http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/07/07/substitutivo-do-codigo-florestal-premiacao-ao-desmatamento/

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Substitutivo do Código Florestal tem grandes impactos também nas áreas urbanas

Por Raquel Rounik

Muito se falou na mídia esta semana sobre o substitutivo do Código Florestal apresentado pelo deputado Aldo Rebelo. A questão vem sendo tratada quase que exclusivamente do ponto de vista do impacto ambiental nas áreas rurais. No entanto, as conseqüências para as zonas urbanas também são importantes e precisam ser discutidas.

Há muito tempo existe um conflito entre a legislação de parcelamento do solo federal e o Código Florestal no que diz respeito à faixa marginal de cursos d’água natural, consideradas Área de Preservação Permanente (APP) pelo código. A legislação define 15m como largura mínima de área non-edificandi (que não poderia ser construída), enquanto o Código estabelece 30m. Este é apenas um, dentre vários aspectos que requerem um encontro entre a legislação urbanística e a ambiental no Brasil.

É muito importante pensar a questão das APPs tanto no contexto rural quanto no urbano. Só que as funções das APP em cada área são diferentes. Na área urbana, a APP não cumpre exatamente as funções constantes no Código, como fluxo gênico e contenção de erosão. Muitas vezes, nas cidades, as águas chegam poluídas aos córregos pelos tubos de drenagem ou esgoto, não escoando superficialmente, quando poderiam ser filtradas ou retidas pela mata da APP.

No caso das cidades, as APP são fundamentais para, principalmente, preservar a qualidade e o volume da água dos mananciais urbanos e prevenir enchentes e inundações. As recentes enchentes e desmoronamentos levantam grande preocupação em relação à ocupação das áreas lindeiras aos rios e suas várzeas. Além disso, as APP ajudam a combater as ilhas de calor e a melhorar a qualidade do ar. Entretanto, não é com a determinação de uma metragem de faixa que se resolve a questão.

Por todas essas razões, é absolutamente necessário repensar as APP em área urbana e abrir espaço para que a diversidade de situações possa ser também atendida de forma diversa. Entretanto, o substitutivo do Código Florestal não resolve esta questão. O projeto não apenas reduz as APP (instituindo largura menor das faixas de cursos d’água natural), mas também joga para os municípios esta decisão, permitindo redução ainda maior sem que haja nenhum critério.

Por outro lado, o substitutivo avança na relação entre a delimitação das APP e o planejamento urbano do município ao obrigar que todas as áreas de preservação estejam gravadas no plano diretor, mas abre um flanco extremamente complicado ao dizer que qualquer lei municipal pode inclusive eliminar essas áreas. Resumindo: uma câmara municipal pode decidir lotear integralmente áreas inteiras de várzeas de rios, o que, aliás, já ocorreu muito em nossas cidades, como São Paulo, vide as marginais dos rios Tietê e Pinheiros.

Esta discussão precisa, portanto, estar muito mais amadurecida do que está hoje. A solução proposta pelo relator, embora reconheça a importância da participação direta de cada um dos municípios nestas definições, não resolve o problema.

Fonte:http://raquelrolnik.wordpress.com/2010/06/11/substitutivo-do-codigo-florestal-tem-grandes-impactos-tambem-nas-areas-urbanas/

Código Florestal marca diferença de modelos agrícolas

Por Raquel Júnia
Da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)


Depois de dois dias de sessões conturbadas, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 6 de julho, alterações no Código Florestal brasileiro. Pela nova redação, não haverá mais a obrigatoriedade de se preservar 30 metros de vegetação na beira dos rios (matas ciliares), mas apenas 15 metros, em se tratando de cursos d'agua que tenham de cinco a dez metros. Além disso, propriedades com até quatro módulos fiscais - o que na Amazônia, por exemplo, equivale a 400 campos de futebol - que já tenham desmatado áreas de Reserva Legal, não serão mais consideradas ilegais e nem precisarão replantá-las.

Pelo novo Código, os topos dos morros também deixam de ser consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) e podem ser desmatados. São justamente estas áreas que recarregam os lençóis freáticos. O Código Florestal, que é a lei federal 4771, existe desde 1965 e é responsável por regular a relação entre os brasileiros e os biomas do país. O código define a observância das APPs, de Reserva Legal e vários outros dispositivos que visam coibir a exploração desenfreada da natureza.

Em junho, o deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB/SP), relator da comissão especial criada para analisar os projetos de lei que alteram o Código Florestal, apresentou um relatório que flexibiliza as normas já existentes, como reivindicava a chamada bancada ruralista no Congresso. Em resposta, movimentos sociais ligados ao campo, pesquisadores e intelectuais começaram uma campanha contra a aprovação do relatório apresentado por Rebelo.

Nos últimos dias 5 e 6 de julho, o deputado apresentou um substitutivo que sofreu várias alterações ao longo das duas sessões de discussão e aprovação da matéria. Com presença de pessoas contrárias e favoráveis assistindo às reuniões, vaias e aplausos eram ouvidos constantemente. Algumas das modificações foram feitas por Aldo Rebelo horas antes da votação, na madrugada do último dia 6, razão pela qual deputados contrários à aprovação do texto se posicionaram insistentemente pelo adiamento da decisão, mas não tiveram êxito e a proposta foi aprovada por 13 a 5 votos. Os vários destaques apresentados pelos deputados também foram reprovados.

Para movimentos sociais, novo código possibilita mais desmatamento

O projeto de lei aprovado na Comissão Especial ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara e do Senado para começar a vigorar. O engenheiro florestal especialista em agroecologia Luiz Zarref, da Via Campesina, considera que o projeto praticamente ‘derruba' o Código Florestal. Ele explica que, ao contrário do que sugere o relatório do deputado Aldo Rebelo, os movimentos sociais reunidos na Via Campesina nunca tiveram como demanda o fim da Reserva Legal em propriedades de até quatro módulos fiscais.

Pelo novo código, os proprietários destas unidades devem preservar as matas restantes, mas estão desobrigados a recompor o que já tiver sido destruído da Reserva. Luiz acredita que este é um dos principais problemas do novo texto. "O conceito de Reserva diz que se trata de uma área de uso sustentável, de manejo, onde se pode plantar frutas, até mesmo café, em convivência com espécies nativas. Esta Reserva é importante para se diversificar a produção", explica.

O engenheiro lembra que é justamente nestes espaços onde sobrevivem espécies nativas como o pequi, por exemplo, no caso do Cerrado, fruta largamente utilizada na culinária local. Ele explica ainda que todo pequeno produtor sempre teve no lote de terra um pedaço de mata para colher ervas medicinais, lenha e estacas para fazer cercas.

"Acabar com a Reserva Legal não é nenhum benefício. Daqui a 20 anos as terras destes pequenos agricultores estarão muito piores porque a faz reciclagem de nutrientes, mantém a adubação do solo e uma série de animais que são predadores naturais de pragas. E os pequenos agricultores não são como os grandes que podem vender a terra e ir para outro lugar: aquela terra será para ele, para os filhos e netos dele. Então, a longo prazo, é um grande golpe para a agricultura familiar", acrescenta.

O projeto aprovado anistia os proprietários de terras que desmataram ilegalmente até o ano de 2008. Luiz alerta que, na verdade, o que foi aprovado desobriga os desmatadores de pagamento de multa até o presente momento porque não existe estrutura suficiente nos órgãos de fiscalização para saber quem desmatou antes ou depois de 2008.

"Nós não temos acesso a imagem de satélite de todo o território nacional com tanta atualidade e o único meio de saber isso é por meio destas imagens, que são caríssimas. Só as temos em algumas regiões de fronteira da Amazônia, mas que ainda assim são imagens boas para detectar queimadas", diz.

Outro aspecto polêmico aprovado no novo texto se refere à possibilidade de compensação da área desmatada. O fazendeiro que desmatou poderá, pelo novo código, comprar um trecho de mata equivalente àquele em outro local, mesmo em outro estado, desde que seja dentro do mesmo bioma. Ou seja, se o desmatamento foi na região da Floresta Amazônica, a área compensada também deve ser na floresta. Pelo código em vigência hoje, esta compensação só pode ser feita dentro da mesma microbacia hidrográfica. Luiz Zaref critica também esta mudança.

"Esta área preservada cumpre o papel de abastecer de água os riachos da região. Se for jogada em outra bacia, mesmo que seja dentro do mesmo bioma, o impacto naquela bacia que está sendo devastada já terá sido feito", explica.

Em jogo, dois modelos de produção agrícola

No decorrer das discussões da comissão, o deputado Aldo Rebelo fez alterações no texto para deixar claro que a desobrigação de preservar a Reserva Legal em propriedades com até quatro módulos fiscais valia apenas para aqueles agricultores que já tinham desmatado até 30 de julho de 2008 e não para futuros desmatamentos.

Entretanto, a mudança, na opinião de Luiz Zarref, significa muito pouco, já que não há fiscalização suficiente, e o novo código contribui para aumento das áreas desmatadas. "Nós não temos dúvida de que terá uma corrida desenfreada pelo desmatamento nos próximos meses, dada a total ineficiência dos órgãos de fiscalização brasileiros", opina.

Para ele, o Cerrado e a Caatinga serão os biomas mais atingidos pelo desmatamento, já que nestas regiões a fiscalização é ainda mais ineficiente do que no bioma amazônico. "Como você diz que foi desmatado até 30 de julho de 2008? Não há como dizer. Os órgãos estaduais de meio ambiente estão sucateados: têm técnicos que fazem a legislação, mas não têm técnicos que vão a campo. Então, quando o técnico for lá daqui a dois anos, como ele diferencia o que foi feito em 2010 do que foi feito em 2008?", questiona.

De acordo com o engenheiro da Via Campesina, o texto aprovado choca-se também com o conceito até hoje vigente de função social da propriedade. "Uma propriedade, para não ser desapropriada, tem que ter uma função socioambiental, precisa ser financeiramente rentável e ter preservação ambiental. É um tripé. O novo código ataca uma parte deste tripé, a da preservação ambiental. Com o código, uma fazenda não pode mais ser desapropriada por não cumprir a função social no quesito da preservação ambiental", destaca.

Luiz questiona a imagem que se tentou construir de que os movimentos sociais são contra a produtividade. Para ele, na verdade, o que está em jogo são modelos diferentes de produção - o do agronegócio e o da agricultura camponesa e familiar. "Quem mais produz alimentos hoje é a agricultura camponesa e familiar, basta olhar os dados do IBGE", diz.

Código da Biodiversidade

Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense Carlos Walter Porto-Gonçalves, a defesa do Código Florestal pelos movimentos sociais demonstra o quanto os setores progressistas estão na defensiva, sem conseguir de fato, pautar novas discussões. Ele atua junto aos movimentos sociais e também assinou o manifesto contra as modificações no Código Florestal, mas alerta que é preciso fazer uma outra discussão - a da necessidade de se pensar em um código de biodiversidade e não só de florestas.

"Falar em Código Florestal hoje é um retrocesso. Por que não um código de biodiversidade? As oligarquias latifundiárias ligadas ao Cerrado estão muito preocupadas em tirar o Mato Grosso e o Tocantins da Amazônia. Com esses estados não sendo mais compreendidos como áreas de floresta, eles ficariam livres para explorar o Cerrado. É preciso ver o que está por trás desta discussão", alerta.

Carlos Walter lembra a importância de biomas como o Cerrado, que tem grandes mananciais, onde se formam os rios mais importantes do país, e uma biodiversidade riquíssima, com centenas de espécies. Por isso, a urgência de se criar um código da biodiversidade. "O Código Florestal acaba sendo uma maneira indireta de dizer lá fora que você está cuidando das florestas do Brasil. A questão das florestas é um dos pontos importantes do debate ambiental global, mas é apenas um dos lados do problema.

O outro lado é a erosão genética, da biodiversidade, que se dá a partir do monocultivo. Sobre esse lado, as oligarquias não querem falar, por isso querem apenas falar de um código de florestas e não de biodiversidade. Assim, aceitam uma agenda externa para o debate na exata medida em que é conveniente aos seus propósitos de continuarem exportando commoditties agrícolas e minerais", explica. E completa: "Guimarães Rosa, inspirado nos camponeses do cerrado, soube compreender como poucos que ‘o cerrado é uma caixa d´água', pois o ‘grande sertão', as chapadas, são recargas hídricas fundamentais para alimentar os lençóis d´água e daí as veredas. Por isso batizou seu grande livro: 'Grande Sertão: Veredas'. Preservar os cerrados e a cultura dos povos do cerrado, como soube fazer Guimarães Rosa, é fundamental para garantir água e de boa qualidade. Talvez tenha sido essa compreensão profunda da realidade dos povos do cerrado que tenha feito o escritor de Minas Gerais, universal", destaca.

E conclui:. "Eu parodio uma frase do Chico Mendes que dizia que não há defesa da floresta sem os povos da floresta. Também não tem defesa do Cerrado sem os povos do Cerrado, porque os povos têm o conhecimento destas veredas e encostas, que vão produzir o Baru, o Pequi, a Fava-danta, um conjunto de óleos, frutos e resinas com usos medicinais", salienta.

O Código Florestal e a saúde

O médico veterinário e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo, ressalta que, apesar de a saúde e o meio ambiente serem áreas bastante relacionadas, nenhum profissional da saúde foi ouvido no processo de elaboração do relatório do deputado Aldo Rebelo.

"O relatório traz registro das 33 audiências realizadas para discutir o tema e o nome dos convidados em cada uma delas. O Ministério da Saúde não foi convidado, a Anvisa também não, instituições como a Fiocruz, que tem laboratórios de excelência na discussão da saúde no campo, também não. De fato, diante de tudo que o relatório apresenta, a saúde poderia ser considerada um obstáculo para que avançasse esta proposta de um novo Código Florestal", critica.

André Burigo explica que cabe à área de saúde ambiental explicar esta relação entre saúde e meio ambiente, fundamentalmente estudando os impactos decorrentes do encontro do homem com a natureza na saúde das pessoas.

Ele lembra que no ano passado, foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Ambiental em cuja plenária final a diretriz mais votada diz: "mudança no modelo de desenvolvimento econômico de forma a produzir a qualidade de vida e a preservação do ambiente e a saúde desta e das futuras gerações, com a proteção da agrobiodiversidade e da biodiversidade urbana e rural, visando à sustentabilidade socioambiental responsável". Para André, a diretriz aprovada ilustra como a área da saúde tem a contribuir para este debate, no sentido oposto das modificações que estão sendo propostas para o Código Florestal.

O pesquisador ressalta que o modelo de produção vigente atualmente, do agronegócio, com grande concentração fundiária, trabalhadores mantidos muitas vezes em condição análoga à de escravidão e forte uso de agrotóxicos, tem impactos diretos na saúde. "Por exemplo, a segurança alimentar é uma questão de saúde pública enorme por causa deste modelo de desenvolvimento. Nós, da saúde, recomendamos muito a ingestão de verduras e hortaliças, mas estamos entrando num paradigma no qual podemos questionar se estes itens são alimentos ou não, por causa do uso intensivo de agrotóxicos. O conceito de alimentos tratado no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é de alimentos sadios, que não contêm veneno", questiona.

Ele comenta ainda que a população camponesa está sujeita também a outros problemas, que têm impacto direto na saúde e estão relacionados ao modo de produção do agronegócio, como a pulverização aérea das plantações. André lembra que este tipo de atividade foi questionada durante a Conferência Nacional de Saúde Ambiental, que votou por se extinguir a pulverização aérea no Brasil, entendendo que não há condições de segurança para isso. "Não há como garantir que esta pulverização aérea ficará apenas sobre aquela propriedade que aquele grande empresário está aplicando", explica.

O pesquisador dá um exemplo de como este modelo, que muitas vezes estabelece relações com os pequenos agricultores, traz consequências perigosas. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pequenos agricultores plantam fumo ou criam aves e suínos para grandes empresas.

"Este tipo de relação coloca o proprietário daquele chão como empregado das grandes empresas, que oferecem a muda, o veneno e o produtor entra com o financiamento do galpão, com a mão de obra da sua família, expondo sua família ao veneno. A mistura de exposição ao agrotóxico e de endividamento desta família na relação desfavorável que elas tem com o setor do agronegócio tem levado, inclusive, a um número elevado de suicídios destes pequenos agricultores", exemplifica.

André ressalta que há muitas populações expostas à chamada injustiça ambiental, expressão utilizada para conceituar práticas que provoquem danos à saúde pela transgressão do limite de atuação saudável no meio ambiente. Ele diz que as parcelas mais expostas da população são aquelas mais pobres das cidades, que vivem nas periferias das fábricas ou também em condições precárias, sem acesso à saneamento, educação e alimentação dignas. E no campo, as mais expostas aos agrotóxicos. "O Brasil tem ainda utilização liberada de agrotóxicos que já foram proibidos nos países chamados desenvolvidos", observa.

Para o pesquisador, o Código Florestal só pode ser discutido se for entendido no contexto de toda a discussão da questão agrária. "Este debate interessa a toda a sociedade e não poderia ter sido aprovado dessa maneira, com um relatório que foi modificado na madrugada, nas vésperas da votação. Acredito também que não tenha sido ao acaso que foi discutido em um momento de Copa do Mundo, no qual a população está concentrada numa competição internacional esportiva. Acho que estes governantes estão dando um grande exemplo da fragilidade da democracia representativa no Brasil", diz.

Discurso de modernidade não é novo

Carlos Walter considera que também não é possível discutir a questão ambiental sem pensar no modelo social vigente. "Já na filosofia grega tinha o Rei Midas, que morreu de fome, porque tudo que ele tocava virava ouro, mas a riqueza não é o ouro, é a água, é a comida. O dinheiro (o ouro) é a expressão da riqueza e não a riqueza enquanto tal. E é esse dilema de Midas que a nossa sociedade está vivendo. Porque parece que nossa sociedade inventou uma nova Lei de Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma em ... oportunidade de mercado", diz o professor, alertando para o perigo de se transformar a natureza em lucro a qualquer preço.

O geógrafo ressalta também a existência de dois modelos técnico-políticos em disputa para a agricultura brasileira. "Um é o modelo do agronegócio, dos grandes latifúndios empresariais, de monocultivos de exportação, altamente energívoros, aquívoros, que provocam grandes danos, como perdas de solos, contaminação das águas, além de uma poluição invisível, que é uma poluição genética através do modelo da transgenia cujo efeito sobre nossos corpos e o meio ambiente ainda não conhecemos", explica.

Ele lembra que esse processo não é novo, já que as oligarquias latifundiárias, com seus monocultivos empresariais, sempre fizeram esforços para inserir o Brasil na divisão internacional do trabalho para exportar a commodity do momento, seja a cana de açúcar, o algodão ou o cacau, por exemplo.

"A ideologia da modernidade tem 500 anos no Brasil. Temos hoje rigorosamente a mesma tecnologia de ponta que tínhamos no século XVI. Um trator com computador que hoje opera num grande latifúndio empresarial de produção de soja é o equivalente ao engenho moderno no século XVI. O Brasil não exportava matéria prima, como nos ensinaram os livros didáticos e ainda hoje nos ensinam os livros de história econômica. O Brasil exportava açúcar que era um produto manufaturado, e éramos os maiores exportadores de manufatura já no século XVI e o fazíamos usando o trabalho escravo. Modernidade com injustiça social nos caracteriza desde sempre", afirma.

O outro modelo, de acordo com o professor, é a forma pela qual os movimentos sociais têm tentado se reapropriar politicamente da terra, com base na agricultura familiar. "Este modelo tem na agroecologia e nas experiências da cultura tradicional camponesa seus dois grandes pilares. A aproximação com o conhecimento técnico se apóia nessa capacidade de proporcionar o máximo de autonomia aos camponeses e de potencializar a produção de acordo com as especificidades que o ecossistema tem. É um modelo que tende para a policultura, para a diversidade de produção e muito mais voltado para o mercado local e regional", distingue.

Carlos Walter chama a atenção para o fato de que nos últimos 40 anos, ao mesmo tempo em se intensificaram as discussões sobre a necessidade de preservação do meio ambiente, se ampliou a destruição numa escala jamais vista na história da humanidade. "Isso exige fatalmente de todos aqueles que estão preocupados com a questão ambiental que revejam sua atuação política, porque a consciência ecológica não tem significado um compromisso efetivo com a superação do problema. É como se a consciência fosse insuficiente porque não está se traduzindo em práticas que apontem para uma sociedade mais sustentável, embora o que mais se fale hoje em dia é exatamente sobre sustentabilidade", aponta.

No caso do Brasil, o professor situa a construção de Brasília e a abertura da rodovia Belém-Brasília, como dois exemplos da intensificação da devastação da Amazônia e do Cerrado brasileiros nos últimos 40 anos. Ele diz que vigora atualmente uma crença cega no poder da ciência e da técnica, a que ele atribui o nome de ideologia tecnocêntrica, mas que não tem resultado em soluções para o problema da devastação do meio ambiente.

"Afinal, não se trata de um problema técnico, mas sim técnico-político e o desafio é reinventarmos uma outra matriz de conhecimento que não seja fundada no mito da dominação da natureza, como o atual. Nos últimos 30, 40 anos nós tivemos um avanço tecnológico no mundo que permitiu o aumento geral da produtividade em 30 %, mas isso não significou uma diminuição da pressão sobre os recursos naturais, pois no mesmo período houve o aumento no consumo desses recursos em 50%. Hoje, há informações de que já temos um consumo anual de recursos naturais numa proporção que ultrapassa 30% da capacidade de reposição da biomassa do planeta. Estamos sacando numa conta que sem fundo", alerta.

fonte: www.mst.org.br

sexta-feira, 9 de julho de 2010

"É um direito legítimo desmatar", defende CNA

De O Estado de S.Paulo

Uma corrida por autorizações de desmatamento pode ocorrer até que a reforma do código florestal, aprovada anteontem em comissão especial da Câmara, vire lei. A previsão não foi feita por ambientalistas, mas pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), ao avaliar texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Kátia aponta pressão pela abertura de novas áreas para agricultura e pecuária em Mato Grosso e no Tocantins.

"É um direito legítimo querer desmatar dentro dos porcentuais permitidos da lei", disse Assuero Veronez, presidente da comissão de meio ambiente da CNA. A proposta aprovada anteontem estabelece moratória no desmatamento durante cinco anos, a partir da publicação da lei.

O texto prevê, porém, exceção para as autorizações de corte da vegetação nativa concedida ou protocolada até a data da publicação da lei. Antes de ir à sanção presidencial, o texto tem de passar pela Câmara e Senado.

Dona de terras em Tocantins, Kátia disse que recorrerá à Justiça pelo direito de não recuperar áreas desmatadas no Cerrado, região que só passou a ter reserva legal em 1989. O projeto aprovado prevê que vale o porcentual de reserva legal em vigor na época do desmatamento. Mas há dificuldade para os produtores provarem quando houve o corte.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Perdão a desmatador custará R$10 bi

De O Globo

O prejuízo financeiro com a anistia para proprietários multados por desmatamento ilegal, conforme prevê a reforma do código florestal aprovada na Comissão Especial da Câmara na terça-feira, é maior do que os valores calculados por ambientalistas.

Levantamento do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) informa que, se a proposta for levada adiante, o governo perderá R$10,6 bilhões. O valor corresponde à soma das multas aplicadas entre 1994 e 22 de julho de 2008, período que seria alcançado pela anistia.


"E quem cumpriu a lei, como fica?", pergunta ministra

A proposta, uma das principais reivindicações da bancada ruralista, foi duramente criticada pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Para a ministra, o perdão imediato da dívida não é uma boa alternativa para a regularização ambiental, como defende o relator do projeto, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). O projeto deverá ser votado pelo plenário da Câmara depois das eleições.

- O caminho não é anistiar. E quem cumpriu a lei, como fica? Deixa de cumprir? Outra coisa: quanto custa isso? Há um custo - adverte a ministra.

O perdão das dívidas está previsto no artigo 24 do relatório elaborado por Aldo.

- Em outros programas, como dos clubes com dívidas com o INSS, suspendem-se as multas. Depois, se a empresa se regularizar, dá baixa na dívida. O que não pode é dizer previamente: está todo mundo perdoado, está zerado o taxímetro - afirma Izabella.

As críticas ao relatório de Aldo foram reforçadas pelo secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa. Em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada, Pinguelli alertou que o projeto pode facilitar o avanço do desmatamento e comprometer parte das metas assumidas voluntariamente pelo governo brasileiro na Conferência Mundial do Clima, em Copenhague. No texto, Pinguelli informou ao presidente que entidades que fazem parte do fórum estão preocupadas com as consequências da reforma do código florestal.

"Na avaliação dessas entidades, as medidas propostas não se coadunam com as metas brasileiras de mitigação de gases de efeito estufa vinculadas ao Uso da Terra - em especial sobre a redução do desmatamento - levadas à 15ª Conferência das Partes da Convenção - quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima", disse o secretário do fórum, na carta endereçada ao presidente.

"O Observatório do Clima entende que o texto, caso aprovado, irá contribuir para o aumento do desmatamento em todo o território nacional", acrescentou. Pinguelli manifestou preocupação especialmente com o trecho do projeto que "anistiará o desmatamento ilegal registrado até 22 de junho de 2008".

CNA quer que estados possam fazer mais mudanças

Os ruralistas não estão inteiramente satisfeitos com o projeto. A presidente da Conferação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), disse ontem que trabalhará para que a reforma permita aos estados fazerem leis adicionais ao código florestal. A ideia é um dos maiores receios dos ambientalistas, que protestaram ontem contra o novo código, em frente ao Congresso Nacional.

Ruralistas aplaudem Aldo Rebelo na aprovação das mudanças no Código Florestal - ISA

Ruralistas aplaudem Aldo Rebelo na aprovação das mudanças no Código Florestal - ISA


Para quem não acompanhou o desenrolar do caso, a cena pode parecer inusitada. Dezenas de manifestantes ligados aos grandes sindicatos rurais patronais, com camisetas pedindo "segurança a quem produz os nossos alimentos", gritavam seu nome. Ao mesmo tempo, manifestantes ligados a movimentos camponeses e da agricultura familiar, a quem ele dizia defender, o vaiavam. O centro das atenções era o deputado comunista Aldo Rebelo (PCdoB), cujo projeto para alterar o Código Florestal, uma das mais importantes leis ambientais do país, acabava de ser aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados.

O placar já era esperado. Numa comissão dominada amplamente por deputados ruralistas, não foi surpresa que a proposta de Aldo tenha sido aprovada por 13 votos a 5. Todos os partidos de esquerda ou centro-esquerda votaram contra a proposta, apoiada apenas por parlamentares e partidos mais conservadores. DEM, PMDB, PP, PR, PPS e PTB votaram a favor das mudanças, enquanto PT, PSB, PSOL, PV e parte do PSDB votaram contra o projeto.

Depoimento do deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS), um dos expoentes da bancada ruralista, direcionado a Aldo Rebelo, confirma o reconhecimento: "Vossa excelência defende o comunismo. Eu sou de outro espectro político, defendo o capitalismo, mas tenho que reconhecer que fez um bom trabalho". O deputado Homero Pereira (PP/MT), ligado à Federação da Agricultura do Mato Grosso, foi mais longe: "Recomendo a vossa excelência que publique um livro com o seu relatório inicial."

Na véspera foi distribuído um documento, assinado por todas as grandes organizações da agricultura camponesa – CONTAG, MST, MPA, Via Campesina, CUT –, bem como por alguns importantes intelectuais e ativistas de esquerda, como Leonardo Boff e Dom Pedro Casaldáliga, que se manifestava pela rejeição do projeto que acabou aprovado. Segundo essas organizações, "o relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo contradiz com sua história de engajamento e dedicação às questões de interesse da sociedade brasileira e, ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio".

Para Raul Silva Telles do Valle, advogado do ISA, o projeto aprovado é um grande retrocesso. Segundo ele, o principal equívoco do documento é partir do pressuposto de que proteger os recursos naturais é contrário ao desenvolvimento do país. "Por isso, em vez de criar condições para que todos possam cumprir a lei e preservar parte de nossas florestas, ele simplesmente abre a possibilidade de que o proprietário rural possa estar de acordo com a lei mesmo que todas as margens dos rios que cortam seu imóvel estejam desmoronando e não tenha um pé de arvore nativa".

Gigante pela própria natureza

Terminada a votação, manifestantes mobilizados pelos ruralistas ensaiaram o canto do hino nacional, mas o coro enfraqueceu sem concluir a primeira parte. Bem antes de chegar ao "gigante pela própria natureza", eles já gritavam nomes de destaque no processo de desmonte do Código Florestal. O primeiro nome aclamado com entusiasmo foi o do relator: "Aldo! Aldo Aldo!", seguido por "Micheletto! Micheletto!", presidente da comissão especial, e "Colatto! Colato!", ex-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio.

Durante as discussões, esses também foram os protagonistas do debate. Colatto, defendendo o trabalho de Aldo, ressaltou que "meio ambiente é papel do Estado e não das pessoas individualmente", enquanto Moreira Mendes (PPS/RO) complementava: "A recuperação ambiental é uma piada de mau gosto ao Brasil!".

Segundo Heinze, o projeto de Aldo estaria "devolvendo" aos proprietários do sul do país 16 milhões de hectares de áreas produtivas que, segundo ele, foram "surrupiadas" pela MP nº 2166, de 2001. Para o deputado, foi apenas nessa época que teria surgido a obrigação de se preservar 20% da vegetação nativa do imóvel a título de reserva legal, quando, na verdade, essa obrigação existe desde 1934, para qualquer tipo de vegetação nativa e não apenas florestas.

Mas houve os que fizeram o contraponto. "O interesse nacional é distribuir renda, terra, produção e poder, e não desproteger nossos recursos naturais", afirmou Edson Duarte (PV/BA), que mais tarde foi complementado por Ivan Valente (PSOL/SP): "Ser exportador de comoddities é aprofundar a dependência". Não foi, no entanto, suficiente, principalmente num jogo de cartas marcadas.

"Agora só nos resta trabalhar na reparação de danos. Saímos daqui com muitos danos na questão ambiental", afirmou ao ISA o deputado Dr. Rosinha (PT-PR). "O último artigo revoga o próprio código florestal, o que é muito grave. E leva por água abaixo todo o discurso do relator e dos ruralistas. Eles dizem que estão dando uma moratória de cinco anos contra o desmatamento. Ocorre que não restou nenhuma lei que limite o desmatamento depois dos cinco anos. Esse é só um exemplo de ponto nocivo do que acabamos de aprovar."

Para o deputado Edson Duarte (PV-BA) nem os deputados sabem exatamente o que foi votado e aprovado. "O relator informou algumas mudanças que acatou fazer, mas a informação se restringiu ao relato verbal. Não recebemos o texto modificado. Votamos no escuro."

Um dos pontos citados por Duarte diz respeito a mudança drástica no artigo 28, onde a redação afirmava que o proprietário rural estava desobrigado de recuperar a área de reserva legal destruída. Alegando um equívoco de redação, Aldo disse que o correto era "obrigado", em vez de "desobrigado". Os deputados criticaram que um equívoco tão grave tivesse passado pela revisão do original e que a correção não tivesse chegado aos deputados até a fase de votação.

"O projeto nasceu errado, a composição da comissão foi errada, tudo foi equivocado. E o resultado é esse grande equívoco entre o que é meio ambiente e o que é produção agrícola", resumiu Edson Duarte. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que o parecer de Aldo estava tão confuso que dividiu opiniões entre deputados de um mesmo partido. "Isso fica provado nos votos do PSDB e do PT." Destacou também que a discordância ainda gerou quatro votos em separado. "E a anistia prevista no texto em favor dos desmatadores estimula a impunidade."

Agora o projeto vai a plenário, possivelmente depois das eleições. "E temos de torcer para que, antes, a sociedade dê o troco nas urnas, mostrando aos deputados que votaram a favor do relatório que o eleitor sabe das consequências dessas alterações.

Quem votou pelo sim ao relatório:

1. Anselmo de Jesus (PT-RO)

2. Homero Pereira (PR-MT)

3. Luis Carlos Heinze (PP-RS)

4. Moacir Micheletto (PMDB-PR)

5. Paulo Piau (PPS-MG)

6. Valdir Colatto (PMDB-SC)

7. Hernandes Amorim (PTB-RO)

8. Marcos Montes (DEM-MG)

9. Moreira Mendes (PPS-RO)

10. Duarte Nogueira (PSDB-SP)

11. Aldo Rebelo (PCdoB-SP)

12. Reinhold Stephanes (PMDB-PR)

13. Eduardo Seabra (PTB-AP)

Quem votou pelo não ao relatório

1. Dr. Rosinha (PT-PR)

2. Ricardo Tripoli (PSDB-SP)

3. Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)

4. Sarney Filho (PV-MA)

5. Ivan Valente (PSOL-SP)

Fonte: ISA, Instituto Socioambiental.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Comissão deforma Código Florestal

Laycer Tomaz

O texto aprovado ainda precisa ser votado pelo Plenário.Em reunião marcada por ofensas e confrontos entre parlamentares, provocações e manifestações de ambientalistas e ruralistas, foi aprovado por 13 votos a 5 o substitutivoEspécie de emenda que altera a proposta em seu conjunto, substancial ou formalmente. Recebe esse nome porque substitui o projeto. O substitutivo é apresentado pelo relator e tem preferência na votação, mas pode ser rejeitado em favor do projeto original. do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao Projeto de Lei 1876/99, que revoga o Código Florestal (Lei 4771/65) e a Lei de Proteção das Florestas Existentes em Nascentes dos Rios (7754/89). Todos os destaquesMecanismo pelo qual os deputados podem retirar (destacar) parte da proposição a ser votada, ou uma emenda apresentada ao texto, para ir a voto depois da aprovação do texto principal. apresentados ao texto foram rejeitados. PT, PV e Psol e os deputados Valdir Colatto (PMDB-SC) e Assis Miguel Couto (PT-PR) apresentaram voto em separadoEspécie de manifestação alternativa ao voto do relator em uma comissão, podendo ser apresentado por qualquer dos demais integrantes. ao parecer. A proposta ainda terá que ser votada pelo Plenário.

Veja como votaram os deputados na comissão especial

Moratória do desmatamento
Um dos pontos mais polêmicos da proposta é a proibição de abertura de novas áreas para agricultura ou pecuária em qualquer propriedade do País por cinco anos — uma moratória do desflorestamento. Em troca, as áreas que estavam em uso na agropecuária até julho de 2008 serão reconhecidas e regularizadas.

O prazo de cinco anos é o tempo que União e estados terão para elaborar seu Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEERegulamentado pelo Decreto 4297/02, o ZEE é um instrumento de gestão do território que estabelece, na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, diretrizes para a proteção ambiental e a distribuição espacial das atividades econômicas para assegurar o desenvolvimento sustentável. O ZEE tem por objetivo geral organizar as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.) e os planos de bacia, instalar os comitês de bacia hidrográfica e elaborar seus programas de regularização ambiental.

Neste dispositivo está um dos questionamentos mais fortes dos ambientalistas: o texto prevê exceção à moratória do desmatamento nos casos em que as autorizações para desflorestar já tenham sido expedidas ou forem protocoladas até a data da promulgação da lei.

O relator diminuiu de 30 para 20 anos o prazo para o produtor recompor as áreas desmatadas. Rebelo lembrou que os 20 anos se somam aos 5 de moratória. Em sua opinião, os 25 anos são um prazo razoável.

O relatório suspende as penalidades para produtores rurais que cometeram crimes ambientais até julho de 2008. Com isso, produtores poderão continuar com suas atividades em área de reserva legalÁrea localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. O tamanho da reserva varia de acordo com a região e o bioma: - Na Amazônia Legal: 80% em área de florestas, 35% em área de cerrado, 20% em campos gerais; - Nas demais regiões do País: 20% em todos os biomas. até que seja elaborado o Programa de Regularização Ambiental, cujo prazo é de cinco anos.

Autonomia dos estados
Uma decisão polêmica, mantida pelo relator, foi permitir que os estados diminuam ou aumentem as áreas de reserva legal de acordo com estudos técnicos e seu Zoneamento Ecológico-Econômico. A Constituição determina que a competência é concorrente, ou seja, a União tem o poder de editar normas gerais, que devem ser detalhadas pelos estados. No entender da oposição, a delimitação de áreas de proteção é típica de lei geral e não poderia ser transferida para os estados.

As Áreas de Proteção Permanente (APPSão faixas de terra ocupadas ou não por vegetação nas margens de nascentes, córregos, rios, lagos, represas, no topo de morros, em dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas. Essas áreas são protegidas por lei federal, inclusive em áreas urbanas. Calcula-se mais de 20% do território brasileiro estejam em áreas de preservação permanente (APPs). As APPs são previstas pelo Código Florestal. Os casos excepcionais que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP são regulamentados pelo Ministério do Meio Ambiente.s) de rios (matas ciliares) de até cinco metros de largura foram reduzidas de 30 para 15 metros, e os estados não terão poder para alterar esses limites.

Pequenas propriedades


Aldo Rebelo comenta o texto do Código Florestal proposto por ele em entrevista à TV CâmaraAldo Rebelo excluiu da obrigação de recompor a reserva legal as propriedades de até quatro módulos fiscais. Ele manteve, porém, os percentuais de preservação: as reservas legais terão de preservar 80% da vegetação nativa na área de floresta da Amazônia Legal, 35% do Cerrado e 20% da vegetação no resto do País. Caso a vegetação remanescente seja superior a essa previsão, poderá ser cortada até esse limite.

Dr. Rosinha propôs, mas não foi aceita, a utilização do conceito da Lei da Agricultura Familiar (Lei 11.326/06) para caracterizar a pequena propriedade. O deputado Anselmo de Jesus (PT-RO) afirmou, porém, que o parecer atendeu todas as necessidades da agricultura familiar do País e contemplou as sugestões de todos os setores.

Para Ivan Valente (Psol-SP), o módulo fiscalÉ a unidade de medida em hectares definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para cada município, para cobrança do Imposto Territorial Rural. As variações levam em conta qualidade do solo, relevo, acesso e capacidade produtiva. Na região Norte, um módulo fiscal varia de 50 a 100 hectares; no Nordeste, de 15 a 90 hectares; no Centro-Oeste, de 5 a 110 hectares; na região Sul, de 5 a 40 hectares; e na Sudeste, de 5 a 70 hectares. também não seria apropriado. O parlamentar disse que o maior problema dessa definição é que os módulos variam a cada região do País.

Classificação de vegetação
Como sugerido por parlamentares da bancada que representa os produtores rurais, o relator retirou do texto as classificações de diferentes tipos de vegetação, que se dividiam em formação campestre, florestal e savânica. De acordo com os deputados, essa diferenciação poderia provocar recursos à Justiça, dada a difícil interpretação da classificação. Aldo ficou com a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que já divide em florestas, cerrados e campos gerais.

O deputado também retirou a possibilidade de recomposição com espécies exóticas, como constava da primeira versão do texto.

Íntegra da proposta:
PL-1876/1999

fonte: Agência Câmara de notícias
Reportagem - Vania Alves
Edição – Regina Céli Assumpção

Por um Código da Biodiversidade

Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis.

Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro. Favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais.

Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos. Não tem qualquer ética com a natureza. Não buscam encontrar modelos técnico-científicos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma mania de cientistas irrealistas.

Por muitas razões, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território.

Remetemos essa idéia para Brasília, e recebemos em resposta que essa era uma idéia boa mas complexa e inoportuna (…). Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal.

Razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país. Sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia (…).

Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza, gente minha.

O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico.

Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Polícia Federal rural, e o Exército Brasileiro.

Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que tem muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do país, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimático e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes , capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza dos país.

A saber, as duas principais faixas de Florestas Tropicais Brasileiras: a zonal amazônica e a azonal das matas atlânticas o domínio dos cerrados, cerradoes e campestres: a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos: os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, alem de nosso litoral e o Pantanal Mato-grossense.

Seria preciso lembrar ao honrado relator Aldo Rabelo, que a meu ver é bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia Brasileira predomina um verdadeiro exército paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos.

O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de cinqüenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos.

E, os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E , alguém a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural.

Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados. Sendo que, alguns outros, vivendo em diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (…).

Ou sejam, através de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo, são libertados para madeireiros contumazes. E, o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para re-utilizar terras degradadas. Ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).

Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errada, porém agora está reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do pais. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro.

Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica.

Por desconhecer tais fatos os relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional.

Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas), e, depois em preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras. Não podendo imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres. Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas).

Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento simplista merece uma crítica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, porque na Amazônia a lei exige 80%. Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, e Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada derruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de morros” , colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma derruição deplorável. É o que alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se repita na Amazônia Brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².

Os relatores do Código Florestal, falam em que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re)florestamento” por espécies homogêneas pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestramento. Esse último, pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades.

Sendo que, eles procuram desconhecer que para áreas muito degradadas, foi feito um plano de (re) organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários: Projeto FLORAM.

Os eucaliptólogos perdem éticos quando alugam espaços por trinta anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo. Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo. Fato que cria um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que ao fim de uma negociação as empresas cortam todas as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.

Por todas as razoes somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo, que conhecemos há muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua biografia, e , sendo político, tem que honrar a história de seus partidos. Mormente, em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários.

Insistimos que em qualquer revisão do Código Florestal vigente, deve-se enfocar as diretrizes através das grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia, e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Tratam-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais.

Ao tomar partido pelos grandes domínios administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve conexões com nove estados do Norte Brasileiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de norte a sul do Brasil. E assim por diante.

Enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas.

Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas com desmate de até 80%,haverá um mosaico caótico de áreas desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas ficarão à mercê de corte de arvores dotadas de madeiras nobres. E além disso, a biodiversidade animal certamente será profundamente afetada.

Seria necessário que os pretensos reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas de 500 a milhares de quilômetros quadrados, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas.

E, observando o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em áreas de quarteirões implantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconseqüente.

AZIZ NACIB AB'SABER, geógrafo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Já começaram as manifestações contrárias as alterações do Código Florestal

Da Agência Adital


O Projeto de Lei 1876/99, que propõe a reforma do Código Florestal, foi votado nesta tarde (6) na Câmara dos Deputados, em Brasília, Distrito Federal. Com 13 votos a 5, o texto principal do substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi aprovado.

Enquanto governo e ruralistas comemoravam, ativistas e militantes ambientais protestavam alegando retrocesso. Com a aprovação, a Comissão Especial, que tem analisado a reforma da legislação ambiental, começou a votar os destaques.

Diante do andamento do processo no Plenário 2 do Congresso, a ONG Greenpeace pediu a rejeição do relatório, alegando que a proposta "mata as florestas". Para o Diretor de Assuntos Parlamentares do Instituto "O Direito por um Planeta Verde", André Lima, a aprovação da reforma significa "um retrocesso histórico na política ambiental do Brasil".

Ele disse que a reforma anula conquistas e reduz Áreas de Preservação Permanente (APPs), de rios, por exemplo, para 15 metros. "As medidas demonstram que estamos andando para trás". Os ambientalistas criticam que ao invés de se defender o desenvolvimento sustentável, o projeto beneficia o agronegócio, ruralistas e latifundiários, ou seja, os que detêm maior poder econômico de influência.

Em recente entrevista à ADITAL, Luiz Zarref, engenheiro florestal e militante da Via Campesina, explicou que as reservas legais precisam ser recompostas de forma produtiva, seja em áreas grandes ou pequenas.

Na ocasião, o engenheiro classificou de "erro gravíssimo" a redução de Áreas de Preservação Permanente em regiões como topos de morros, por exemplo, já que as APPs são importantes para a prevenção de vários desastres naturais. "Os deslizamentos, por exemplo, têm a ver com a retirada da mata", explicou.

Manifestação

Os ativistas prepararam um ato para hoje (7), em frente ao Congresso Nacional, a partir das 8h, onde será feito o "velório e o enterro do Código Florestal". "Será um movimento espontâneo, com estudantes e organizações da sociedade civil para criar um efeito simbólico e mostrar que somos contra a reforma", informou André.

Ele disse acreditar que as manifestações podem sim reverter a "situação criada artificialmente, pela omissão do Governo Federal", já que, segundo ele, deputados que eram contrários à reforma não participaram da votação. "Muitos não compartilharam deste pensamento retrógrado. Foi uma maioria criada artificialmente", ressaltou.

Confira o resultado da votação

Votos favoráveis às reformas ruralistas:

Anselmo de Jesus (PT-RO)
Homero Pereira (PR-MT)
Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Moacir Micheletto (PMDB-PR)
Paulo Piau (PPS-MG)
Valdir Colatto (PMDB-SC)
Hernandes Amorim (PTB-RO)
Marcos Montes (DEM-MG)
Moreira Mendes (PPS-RO)
Duarte Nogueira (PSDB-SP)
Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Reinhold Stephanes (PMDB-PR)
Eduardo Seabra (PTB-AP)

Votos contrários às reformas ruralistas:

Dr. Rosinha (PT-PR)
Ricardo Tripoli (PSDB-SP)
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)
Sarney Filho (PV-MA)
Ivan Valente (PSOL-SP)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Gol contra o meio ambiente

Enquanto a sociedade brasileira volta sua atenção aos jogos da Copa, uma Comissão Especial criada na Câmara dos Deputados pretende aprovar, no dia 06 do corrente, o relatório e emenda substitutiva global apresentada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB), que incorpora e encampa os interesses do agronegócio. Esta Comissão é composta na sua maioria por deputados ruralistas e tem o objetivo de apreciar 11 projetos de lei que visam alterar a legislação ambiental.

O referido substitutivo global é polêmico por apresentar medidas menos protetivas ao meio ambiente, dentre as quais destaca-se: redução da faixa mínima de proteção às margens de rio de 30 para 7 metros; autorização para os estados fixarem limites e parâmetros menos protetivos aos já estabelecidos na legislação federal; revogação do Código Florestal brasileiro; e concessão de anistia a quem desmatou ilegalmente áreas ambientalmente protegidas.

Ressalte-se que o substitutivo global de Aldo Rebelo, se aprovado, permitirá o uso e a ocupação em áreas de vulnerabilidade socioambiental: com declividade acentuada; topos de morros; e montes e montanhas. Permitirá, também, que os municípios estabeleçam suas regras de uso e ocupação do solo liberando, tanto na área urbana como rural, a ocupação de áreas vulneráveis a deslizamentos.

Setores da sociedade civil ligados à agricultura familiar, como o MST, Via Campesina e Comissão Pastoral da Terra têm se manifestado contra a emenda, por entenderem que a medida visa aos interesses do agronegócio e que causará forte impacto no patrimônio florestal e na biodiversidade brasileira, cuja manutenção e uso racional é imprescindível para a subsistência e fixação da agricultura familiar no campo.

"Não vote em quem mata as florestas".



Foto: Dep. Aldo Rebelo

O parecer do deputado Aldo Rebelo PCdoB/SP pelas drásticas mudanças do Código Florestal Brasileiro foi aprovado hoje 06.07, na Comissão especial que avalia as mudanças do Código.

Veja a orientação dos partidos:

Contra o relatório do Aldo Rebelo: PSOL, PV, PT.

A favor do relatório: PPS, PTB, PP, PR, DEM, PMDB.

Liberaram a bancada: PSDB, PSB, PcdoB, PMN.

Veja a votação nominal dos Deputados que votaram pelo retrocesso e desmonte da legislação ambiental brasileira:

Anselmo de Jesus (PT-RO) - SIM
Homero Pereira (PR-MT) - SIM
Luis Carlos Heinze (PP-RS) - SIM
Moacir Micheletto (PMDB-PR) - SIM
Paulo Piau (PPS-MG) - SIM
Valdir Colatto (PMDB-SC) - SIM
Hernandes Amorim (PTB-RO) - SIM
Marcos Montes (DEM-MG) - SIM
Moreira Mendes (PPS-RO) - SIM
Duarte Nogueira (PSDB-SP) - SIM
Aldo Rebelo (PCdoB-SP)- SIM
Reinhold Stephanes (PMDB-PR)- SIM
Eduardo Seabra (PTB-AP) - SIM

TOTAL A FAVOR: 13

Deputados que votaram contra o substitutivo global do Dep. Aldo Rebelo e a favor da biodiversidade e patrimônio florestal brasileiro:

Dr. Rosinha (PT-PR) - NÃO
Ricardo Tripoli (PSDB-SP) - NÃO
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) - NÃO
Sarney Filho (PV-MA) - NÃO
Ivan Valente (PSOL-SP) - NÃO


TOTAL CONTRA: 5

Deputados rejeitam todos os destaques e aprovam relatório do Código Florestal

Foram rejeitados todos os destaques apresentados ao substitutivo do relator da reforma do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo (PCdoB). Com a aprovação do texto final, o relatório segue para votação pelo Plenário.

A reunião da comissão especial que analisa o Projeto de Lei 1876/99 e apensados foi encerrada.


Fonte: Agência Câmara de Notícias

Comissão aprova texto principal do relatório sobre o Código Florestal

Por 13 votos a 5 foi aprovado o texto principal do substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o Projeto de Lei 1876/99, que reforma o Código Florestal. Os deputados a favor e os produtores rurais se levantaram e gritaram Brasil, Brasil em coro, sob vaias dos ambientalistas, que gritavam retrocesso.

A comissão especial que analisa a reforma da legislação ambiental começa agora a votar os destaques.

A reunião prossegue no plenário 2.

Continue acompanhando a cobertura desta reunião.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Greenpeace pede rejeição do relatório sobre o Código Florestal

Três representantes da organização não governamental Greenpeace estão sentadas em frente ao plenário 2 com o cartaz pedindo a recusa do parecer do relator Aldo Rebelo (PCdB-SP) ao projeto que altera o Código Florestal (Projeto de Lei 1876/99 e apensados).

Antes, uma manifestante com uma faixa amarela já tinha se colocado em frente à mesa da presidência da comissão especial que analisa a reforma do Código Florestal. A faixa, assinada pela organização não governamental Greenpeace dizia: Não vote em quem mata florestas.

Por ordem do presidente da comissão, deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), as moças foram retiradas pela segurança e tiveram de ser carregadas.

O relator pediu que a reunião prossiga e que sejam deixadas de lado as manifestantes. Ele fez referência a interesses internacionais que seriam defendidos por organizações não-governamentais ambientalistas. O deputado fez ironias referindo-se à Holanda, país sede do Greenpeace.

Um manifestante com uma camiseta defendendo os produtores rurais se postou na frente das integrantes do Greenpeace, que estavam sendo fotografadas e filmadas pela imprensa.

A comissão especial que analisa a reforma da legislação ambiental está reunida neste momento para votar o parecer do relator. A reunião prossegue no plenário 2.

Continue acompanhando a cobertura desta reunião.

Novo Código Florestal deixa impune desmatadora Kátia Abreu 18 de junho de 2010

Da Folha de S. Paulo

A presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), será beneficiada pelas alterações no Código Florestal caso o projeto, que tramita no Congresso, seja aprovado.

A senadora recebeu uma multa de R$ 77 mil por ter desmatado ilegalmente 776 hectares sem autorização do Ibama em Tocantins.

A proposta para um novo código, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), anistia todos os produtores rurais com irregularidades flagradas até 22 de julho de 2008.

O processo no Ibama contra Kátia corre desde 5 de julho de 2004. A multa, que hoje vale R$ 120 mil, não foi aplicada até hoje porque ela recorreu à Justiça para tentar derrubar o processo.
Procurada, a senadora confirmou a multa, mas depois disse que "uma coisa não tem nada a ver com a outra". "Eu tinha uma multa ambiental de uma área que inclusive já vendi. É uma multa ambiental, em uma área de uma reserva legal, isso tem muitos anos. À época não era nem crime ambiental, mas uma infração administrativa", disse ela.

Ao se defender no processo, obtido pela Folha, a senadora admitiu ter desmatado. Ela disse que, em razão da demora do Ibama em conceder a autorização, e com o final do período chuvoso, começou a desmatar.

Mesmo após vender as terras, Kátia continua a responder pela multa no Ibama, que não é transferível.

Sobre o fato de o projeto relatado por Aldo Rebelo a beneficiar, Kátia Abreu afirmou que não conhece o "conteúdo do novo código", só algumas linhas gerais. "Mas vou torcer muito para que eu e todos os produtores do Brasil possam não ser anistiados, mas sim justiçados", disse.

Violações

Para o procurador da República Mário Gisi, o processo de Kátia está dentro da anistia defendida pelo relatório de Aldo Rebelo.

"A senadora será beneficiada porque sua infração fere os artigos 16, 19 e 37a do atual código. Artigos com infrações que, caso o novo código seja aprovado, serão contemplados pela anistia. O desmatamento dependia de autorização do Ibama", diz Gisi.

O novo código florestal está em debate numa comissão especial da Câmara. A votação na comissão, de maioria ruralista, está prevista para a próxima segunda-feira. Depois, o projeto vai a plenário.

Indagado sobre quem seriam os beneficiados da anistia, o deputado disse não ter "a mínima ideia do que poderia acontecer". "O governo, no decreto [que embasou o projeto de sua autoria], não levou isso em conta. Oferece a todos a possibilidade de regularização", disse ele.

Manifesto rejeita mudanças propostas por Aldo Rebelo no Código Florestal

Movimentos sociais, sindicais e entidades ambientalistas, além de personalidades e intelectuais, divulgam nesta sexta-feira (2/7) um manifesto em defesa do meio ambiente e da produção de alimentos e contrário às mudanças propostas para Código Florestal brasileiro, que devem ser votadas na semana que vem na Câmara dos Deputados.

O documento – assinado por personalidades como Leonardo Boff e D. Pedro Casaldáliga e entidades como a CUT e a Via Campesina - aponta que o relatório atende apenas aos interesses dos ruralistas, pela ausência de um debate amplo sobre o tema.

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“Podemos afirmar que o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos dos latifundiários. Dentre os principais pontos críticos do PL, podemos citar: anistia completa a quem desmatou (em detrimento dos que cumpriram a Lei); a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar (nunca reivindicado pelos agricultores/as visto que produzem alimentos para todo o país sem a necessidade de destruição do entorno) possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios, para citar algumas”, destacam os signatários.

Confira abaixo a íntegra do documento.


EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO E DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS:

NÃO AO SUBSTITUTIVO DO CÓDIGO FLORESTAL!

O Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965) está baseado em uma série de princípios que respondem às principais preocupações no que tange ao uso sustentável do meio ambiente.

Apesar disso, entidades populares, agrárias, sindicais e ambientalistas, admitem a concreta necessidade de aperfeiçoamento do Código criando regulamentações que possibilitem atender às especificidades da agricultura familiar e camponesa, reconhecidamente provedoras da maior parte dos alimentos produzidos no país.

É essencial a implementação de uma série de políticas públicas de fomento, crédito, assistência técnica, agro industrialização, comercialização, dentre outras, que garantirão o uso sustentável das áreas de reserva legal e proteção permanente. O Censo Agropecuário de 2006 não deixa dúvidas quanto à capacidade de maior cobertura florestal e preservação do meio ambiente nas produções da agricultura familiar e camponesa, o que só reforça a necessidade de regulamentação específica.

Essas políticas públicas vinham sendo construídas entre os movimentos e o Governo Federal a partir do primeiro semestre de 2009, desde então os movimentos aguardam a efetivação dos Decretos Reguladores para a AF que nos diferenciam do agronegócio.

Foi criada na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial, para analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de mudanças no Código Florestal e na Legislação Ambiental brasileira. No dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou à referida Comissão um relatório que continha uma proposta de substituição do Código Florestal.

Podemos afirmar que o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos dos latifundiários. Dentre os principais pontos críticos do PL, podemos citar: anistia completa a quem desmatou (em detrimento dos que cumpriram a Lei); a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar (nunca reivindicado pelos agricultores/as visto que produzem alimentos para todo o país sem a necessidade de destruição do entorno) possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios, para citar algumas.

Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no Projeto de Lei (PL). Nos cabe atentar para o fato de que segundo cálculos de entidades da área ambiental, a aplicação delas resultará na emissão entre 25 a 30 bilhões de toneladas de gás carbônico só na Amazônia. Isso ampliaria em torno de seis vezes a redução estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 15) em Copenhague, em dezembro de 2009 e transformada em Lei (Política Nacional de Mudança do Clima) 12.187/2009.

De acordo com o substitutivo, a responsabilidade de regulamentação ambiental passará para os estados. É fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos aos limites de um ou dois estados, portanto, não é possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a preservação dos mesmos. Por outro lado, esta estadualização representa, na prática, uma flexibilização da legislação, pois segundo o próprio texto, há a possibilidade de redução das áreas de Preservação Permanentes em até a metade se o estado assim o entender.

O Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. Os que descumpriram o Código Florestal terão cinco (5) anos para se ajustar à nova legislação, sendo que não poderão ser multados neste período de moratória e ficam também cancelados embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser feita no longínquo prazo de 30 anos. Surpreendentemente, o Projeto premia a quem descumpriu a legislação.

O Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser totalmente desmatados na Amazônia – já que cada módulo fiscal tem 100 hectares na região –, o que poderá representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. A Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio genético são interesses difusos, pertencentes ao mesmo tempo a todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. É essencial ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta a abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.

Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da região ou bacia hidrográfica. É necessário que estabeleçamos um critério para a recomposição da área impedindo que a supressão de vegetação nativa possa ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a biodiversidade.

O Projeto de Lei traz ainda a isenção em respeitar o mínimo florestal por propriedade, destruindo a possibilidade de desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 186, II.

Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos países, onde o próprio Brasil assume uma posição de defesa do desenvolvimento sustentável, é inadmissível que retrocedamos em um assunto de responsabilidade global, como a sustentabilidade ambiental.

O relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo contradiz com sua história de engajamento e dedicação às questões de interesse da sociedade brasileira. Ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio.

Sua postura em defesa do agronegócio é percebida a partir do termo adotado no relatório: Produtor Rural. Essa, mais uma tentativa de desconstrução do conceito de agricultura familiar ou campesina, acumulado pelos movimentos e que trás consigo uma enorme luta política dos agricultores e agricultoras familiares.

Por tudo isso, nós, organizações sociais abaixo-assinadas, exigimos que os assuntos abordados venham a ser amplamente discutidos com o conjunto da sociedade. E cobramos o adiamento da votação até que este necessário debate ocorra e que o relatório do deputado absorva as alterações mencionadas no corpo do texto.


ENTIDADES

CUT – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES

FETRAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR

VIA CAMPESINA

CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

MAB – MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS

MMC – MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS

MPA – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS SEM TERRA

ABEEF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ESTUDANTES DE ENGENHARIA FLORESTAL

CIMI – CONSELHO INDIGENÍSTA MISSIONÁRIO

FEAB – FEDERAÇÃO DOS ESTUDANTES DE AGRONOMIA DO BRASIL

MCP - MOVIMENTO CAMPONÊS POPULAR

UNICAFES – UNIÃO NACIONAL DE COOPERATIVAS DA AGRICULTURA FAMILIAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA

PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

ABRA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REFORMA AGRÁRIA

ABA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGROECOLOGIA

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

TERRAS DE DIREITOS

INESC – INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS

ABONG – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS

AMIGOS DA TERRA BRASIL

ABRAMPA – ASSOCIAÇÃO BRA

MMM - MARCHA MUNDIAL DE MULHERES

SOF - SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA

SILEIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO MEIO AMBIENTE

IBAP – INSTITUTO BRASILEIRO DE ADVOCACIA PÚBLICA

REDLAR – RED LATINOAMERICANA DE ACCIÓN CONTRA LAS REPRESAS Y POR LOS RIOS, SUS COMUNIDADES Y EL ÁGUA

FUNDAÇÃO PADRE JOSÉ KOOPMANS

PROTER – PROGRAMA DA TERRA

IBASE – INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS

AS-PTA – AGRICULTURA FAMILIAR E AGROECOLOGIA

APTA – ASSOCIAÇÃO DE PROGRAMAS EM TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS

AFES – AÇÃO FRANCISCANA DE ECOLOGIA E SOLIDARIEDADE

CAIS - CENTRO DE ASSESSORIA E APOIO A INICIATIVAS SOCIAIS

CENTRO DE ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR MARIANA CRIOLA

CEDEFES - CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ELÓY FERREIRA DA SILVA

CEPIS – CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR DO INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE

CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DOS SERVIDORES DO INCRA

COMITÊ METROPOLITANO DO MOVIMENTO XINGU VIVO

DIGNITATIS

FASE – SOLIDARIEDADE E EDUCAÇÃO

INSTITUTO MADEIRA VIVO

ONG REPORTER BRASIL

ASSESSOAR

INSTITUTO O DIREITO POR UM PLANETA VERDE

REDE BRASILEIRA DE ECOSSOCIALISTAS

GTA - GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO

ASSOCIAÇÃO ALTERNATIVA TERRAZUL

REDE ALTERNATIVES INTERNACIONAL

ENTIDADE NACIONAL DOS ESTUDANTES DE BIOLOGIA

ASSOCIAÇÃO DE MULHERES ARRARAS DO PANTANAL

CEDHRO – CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA REGIÃO OESTE DA GRANDE SÃO PAULO

IAMAS - INSTITUTO AMAZÔNIA SOLIDÁRIA E SUSTENTÁVEL

IMCA – INSTITUTO MORRO DA CUTIA DE AGROECOLOGIA

MSU – MOVIMENTO DOS SEM UNIVERSIDADE

FÓRUM ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DO ADOLESCENTE/SP

FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

FÓRUM DE MULHERES DO ESPÍRITO SANTO

FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIAL

FÓRUM BRASILEIRO DE SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

FÓRUM CARAJÁS

FAMOPES - FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES E MOVIMENTOS POPULARES DO ESPÍRITO SANTO

MNLM/RJ – MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA/RJ

JUSTIÇA GLOBAL

OBSERVATÓRIO NEGRO

PLATAFORMA DHESCA

REDE FAOR – FÓRUM AMAZÔNIA ORIENTAL

REDE DE AGROECOLOGIA DO MARANHÃO

REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL

REDE DESERTO VERDE

REDE BRASIL SOBRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS

AMEDI – AMBIENTE E EDUCAÇÃO INTERATIVA

REDE NACIONAL DE ADVOGADAS E ADVOGADOS POPULARES NO CEARÁ

REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

INSTITUTO GIRAMUNDO MUTUANDO

INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL

SAPI – SOCIEDADE DOS AMIGOS DO PARQUE DE ITAÚNAS (ES)

TRIBUNAL POPULAR: O ESTADO BRASILEIRO NO BANCO DOS RÉUS

EKIP NATURAMA

ETNIOKA

TOXISPHERA ASSOCIAÇÃO DE SAÚDE AMBIENTAL


PERSONALIDADES E INTELECTUAIS

LEONARDO BOFF – TEÓLOGO E ESCRITOR

DOM PEDRO CASALDÁLIGA – BISPO EMÉRITO DE SÃO FÉLIZ DO ARAGUAIA

BERNARDO MANÇANO FERNANDES – CÁTEDRA UNESCO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

JOSÉ ARBEX JUNIOR – JORNALISTA E COORDENADOR DA ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA ESCOLA FLORESTAN FERNANDES

CARLOS WALTER PORTO-GONÇALVES – PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

HORÁCIO MARTINS DE CARVALHO – PROFESSOR E MILITANTE SOCIAL

LADISLAU DOWBOR – PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

LUIZ CARLOS PINHEIRO MACHADO – EX-PRESIDENTE DA EMBRAPA E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

MIGUEL CARTER – PROFESSOR DA AMERICAN UNIVERSITY, WASHIGTON/EUA

SÉRGIO SAUER - RELATOR DO DIREITO HUMANO À TERRA, TERRITÓRIO E ÁGUA DA PLATAFORMA DHESCA

MARIJANE LISBOA – RELATORA DO DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE DA PLATAFORMA DHESCA

RUBENS NODARI – PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

PAULO KAGEYAMA – PROFESSOR DA UNIVERSIDADE ESALQ/USP

VIRGÍNIA FONTES – PROFESSORA DA FIOCRUZ E DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

IRAN BARBOSA – DEPUTADO ESTADUAL PT/SE

JOÃO ALFREDO TELLES MELO – VEREADOR DE FORTALEZA/PSOL E EX-DEPUTADO FEDERAL

Chico Alencar - Deputado federal PSOL-RJ

Marcelo Freixo - Deputado Estadual PSOL-RJ

(Foto: Rodrigo Baleia/Greenpeace)

Fonte:www.mst.org.br