Perda de biodiversidade sem volta.
Fonte | Agência Fapesp - Quarta Feira, 15 de Setembro de 2010
Se for aprovada em sua forma atual, a revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical, alertam cientistas em carta publicada na edição atual da revista Science.
Intitulada "Perda de biodiversidade sem volta", a carta tem autoria de Fernanda Michalski, professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá, Darren Norris, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
Na carta, os pesquisadores apontam que as propriedades privadas correspondem a 39% do território brasileiro e representam um componente essencial para a conservação da biodiversidade florestal, à parte das áreas protegidas formalmente.
Mas os “interesses de curto prazo de poderosos grupos econômicos, influentes proprietários de terra e políticos, ao diluir o Código Florestal, ignoram o valor das florestas privadas para a conservação”, segundo eles.
De acordo com Fernanda, a manifestação é um complemento à carta publicada na Science no dia 16 de julho, por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP, com o título Legislação brasileira: retrocesso em velocidade máxima. Segundo ela, o objetivo foi colocar em evidência a modificação do código relacionada à redução de área das Áreas de Proteção Permanente (APP).
“A Science abre espaço para que possamos reforçar comentários feitos em edições anteriores. Quisemos fazer isso para enfatizar um pouco mais o problema diretamente ligado à redução das áreas de APP, que está sendo levantado na proposta de reforma do Código Florestal”, disse à Agência FAPESP.
Professora do Departamento de Ecologia da Unesp até o fim do primeiro semestre de 2010, Fernanda concluiu seu doutorado em 2007, na Universidade de East Anglia, sob orientação de Peres, e realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP.
“Parte do meu pós-doutorado correspondeu exatamente à avaliação do uso de áreas de APP por vertebrados de médio e grande porte. A partir dos dados obtidos nessa pesquisa achamos relevante destacar esse tópico no contexto da reforma do Código Florestal”, destacou.
A carta enviada em julho pelos pesquisadores do Biota-FAPESP apontava que as novas regras do Código Florestal reduziriam a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente e, a partir de simples análises da relação espécies-área, “é possível prever a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”, segundo eles.
O texto foi assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.
Efeito de borda
A carta publicada na edição atual da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.
Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” – uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.
“O efeito de borda se manifesta à medida que a permeabilidade da matriz aumenta e cria uma série de efeitos adversos para a flora e para a fauna. Mas, além disso, nossas pesquisas revelaram um outro dado importante que merecia ser destacado: quando a área de proteção é reduzida a menos de 50 metros de cada lado da APP, o resultado é um aumento considerável na mortalidade das árvores”, afirmou.
Os cientistas brasileiros alertam que, com as modificações propostas na legislação, a redução das áreas de proteção deverá provocar mudanças nas características da paisagem que reduzirão a capacidade da floresta para reter e conectar espécies, ou para manter a qualidade dos corpos d’água.
Segundo o texto, os proprietários rurais que cumprirem a nova legislação aumentarão a fragmentação da paisagem e reduzirão o valor das suas propriedades, por conta da erosão do solo e pela má regulação de captação de água nas bacias hidrográficas.
Mas ainda é possível ter esperança: “a comunidade científica e ambiental, as organizações não governamentais e o Ministério do Meio Ambiente ainda podem se conciliar com os defensores da reforma do Código Florestal”, ressaltam os autores.
“Para isso, será preciso melhorar a comunicação entre os segmentos da sociedade, desenvolvendo alternativas de gestão inteligente do uso do solo na matriz agropecuária existente e evitando, com isso, a expansão de novas fronteiras de desmatamento”, afirmam.
Efeito de borda
A carta publicada na edição atual da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.
Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” – uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.
O artigo No Return from Biodiversity Loss (doi: 10.1126/science.329.5997.1282-a)
Eco cidadania
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Meio Ambiente prepara novo texto do Código Florestal
O Ministério do Meio Ambiente prepara um texto substitutivo ao projeto do Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP). Segundo a secretária de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Maria Cecília de Brito, a nova proposta vai manter alguns pontos do documento anterior, mas haverá diferenças significativas. Uma delas é garantir que topos de morros e manguezais, por exemplo, sejam áreas de proteção permanente.
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Outro ponto citado por Maria Cecília é garantir que a área da margem preservada dos rios seja a mesma em todos os Estados. Além disso, lembrou a secretária, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, já havia mencionado antes que não será admitida anistia para quem desmatou irregularmente.
A nova proposta ainda não tem data para ser apresentada, mas deve voltar a ser discutida após as eleições de outubro, segundo Maria Cecília. As declarações foram dadas hoje, em São Paulo, no Fórum Biodiversidade e Economia, realizado pela Editora Abril.
A secretária disse que é necessário vencer algumas "falácias" que atrapalham a aplicação e aprimoramento do Código Florestal, como a de que todos vão pagar um preço alto pela manutenção das reservas ambientais. Outra é o entendimento de que as áreas protegidas podem impedir o crescimento do agronegócio.
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Outro ponto citado por Maria Cecília é garantir que a área da margem preservada dos rios seja a mesma em todos os Estados. Além disso, lembrou a secretária, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, já havia mencionado antes que não será admitida anistia para quem desmatou irregularmente.
A nova proposta ainda não tem data para ser apresentada, mas deve voltar a ser discutida após as eleições de outubro, segundo Maria Cecília. As declarações foram dadas hoje, em São Paulo, no Fórum Biodiversidade e Economia, realizado pela Editora Abril.
A secretária disse que é necessário vencer algumas "falácias" que atrapalham a aplicação e aprimoramento do Código Florestal, como a de que todos vão pagar um preço alto pela manutenção das reservas ambientais. Outra é o entendimento de que as áreas protegidas podem impedir o crescimento do agronegócio.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Ministério do Meio Ambiente vai elaborar nova proposta para código florestal
Ministra critica “anistia” aos produtores que desmataram
Ministra Izabella Teixeira disse que a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) compromete os acordos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, e pode prejudicar as negociações brasileiras na Cúpula da Biodiversidade.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) pretende criar uma nova proposta de alteração no Código Florestal, para ser entregue ao Congresso até o final do ano. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
“É inaceitável a ideia de anistiar quem desmatou de propósito. É como se as pessoas que cometeram crimes tributários fossem anistiadas pela Receita Federal”, disse a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, após participar do lançamento do Movimento Empresarial pela Proteção e Uso Sustentável da Biodiversidade. O MMA deve apresentar ao Congresso uma nova proposta ainda este ano.
A ministra disse que a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) compromete os acordos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, e pode prejudicar as negociações brasileiras na Cúpula da Biodiversidade. A cúpula acontecerá em outubro, no Japão, e o Brasil deve reivindicar recursos internacionais para programas de conservação.
Segundo a reportagem, Izabella não forneceu detalhes sobre o teor da proposta que o Ministério pretende apresentar, mas afirmou que o texto de Rebelo é “intolerável”, por sugerir anistia aos produtores que desmataram.
fonte:http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/08/12/ministerio-do-meio-ambiente-vai-elaborar-nova-proposta-para-codigo-florestal/
Ministra Izabella Teixeira disse que a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) compromete os acordos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, e pode prejudicar as negociações brasileiras na Cúpula da Biodiversidade.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) pretende criar uma nova proposta de alteração no Código Florestal, para ser entregue ao Congresso até o final do ano. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
“É inaceitável a ideia de anistiar quem desmatou de propósito. É como se as pessoas que cometeram crimes tributários fossem anistiadas pela Receita Federal”, disse a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, após participar do lançamento do Movimento Empresarial pela Proteção e Uso Sustentável da Biodiversidade. O MMA deve apresentar ao Congresso uma nova proposta ainda este ano.
A ministra disse que a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) compromete os acordos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, e pode prejudicar as negociações brasileiras na Cúpula da Biodiversidade. A cúpula acontecerá em outubro, no Japão, e o Brasil deve reivindicar recursos internacionais para programas de conservação.
Segundo a reportagem, Izabella não forneceu detalhes sobre o teor da proposta que o Ministério pretende apresentar, mas afirmou que o texto de Rebelo é “intolerável”, por sugerir anistia aos produtores que desmataram.
fonte:http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/08/12/ministerio-do-meio-ambiente-vai-elaborar-nova-proposta-para-codigo-florestal/
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Os impactos das mudanças no Código Florestal
Por Fabio Reynol
da Agência Fapesp
Impactos potenciais da revisão no Código Florestal, em tramitação no Congresso Nacional, na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos foram debatidos por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, na semana passada, em evento organizado pelo programa Biota-FAPESP, na sede da Fundação.
Carlos Alfredo Joly, coordenador do Biota-FAPESP e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abriu o encontro lamentando a falta de participação da comunidade científica nas discussões sobre as alterações no atual Código Florestal – que preveem, por exemplo, reduções significativas nas áreas de preservação permanentes (APP) e anistia a desmatamentos feitos até 2008.
“Essa nossa crítica foi destacada em uma carta assinada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), as duas maiores representantes da comunidade científica”, disse Joly. As duas entidades deverão ampliar as discussões sobre o assunto por meio de um grupo de trabalho.
Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que coordenou o encontro junto com Joly, ressaltou que a proposta de revisão do código ensina importantes lições à comunidade científica, entre elas a importância de tomar iniciativas de mudanças antes que outros o façam.
“O Código Florestal atual vigora desde 1965 e nós [pesquisadores] não tínhamos nos preocupado em atualizá-lo até hoje”, disse Rodrigues, ressaltando a importância da pesquisa científica para sustentar políticas públicas.
Na parte da manhã, cientistas apresentaram os impactos que grupos taxonômicos específicos poderiam sofrer no caso de ser aprovada a proposta do novo código aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Os palestrantes foram convidados a usar suas apresentações como ponto de partida para artigos científicos, que serão submetidos para publicação na próxima edição da revista Biota Neotropica.
Lilian Casatti, professora do campus de São José do Rio Preto da Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre possíveis impactos aos peixes. Um dos principais problemas da proposta de revisão do código, segundo ela, seria a redução na largura das matas ripárias – que acompanham os cursos d’água – de 30 metros para 15 metros em riachos e ribeirões com menos de 5 metros de largura.
De acordo com a pesquisadora, isso afetaria a ictiofauna em vários aspectos. Sem a cobertura vegetal ciliar os peixes estariam mais expostos à luz solar. Espécies que possuem larvas sensíveis à radiação ultravioleta seriam reduzidas. Peixes que utilizam a identificação visual para selecionar parceiros também seriam prejudicados e várias cadeias tróficas seriam irremediavelmente alteradas.
“Muitos peixes se alimentam de determinados insetos que, por sua vez, alimentam-se de certas folhas dessas matas. Há estudos apontando que, com menos matas, os peixes perdem biomassa. causando perdas genéticas e até de espécies”, disse.
A perda da cobertura vegetal ripária também causaria o aumento na turbidez dos rios devido ao assoreamento, o qual também provocaria a entrada de poluentes no curso d’água.
Um dos maiores prejuízos seria a extinção de diversas espécies de peixes. Estudos realizados no Estado de São Paulo mostram que o maior número de espécies está concentrado em pequenos córregos. No Estado, foram encontradas 344 espécies – do total de 2.587 peixes brasileiros de água doce – e 66 estão ameaçadas, sendo que 45 vivem em pequenos ambientes.
“Essas espécies vivem em apenas 10 metros quadrados, em média, durante toda a vida”, disse Lilian, para ilustrar que até perdas de pequenas porções de vegetação natural podem resultar no desaparecimento de diversos táxons.
Segundo a professora da Unesp, os pequenos cursos d’água guardam uma grande diversidade genética que estaria ameaçada após as mudanças no Código Florestal. A região de São José dos Dourados (SP), estudada por Lilian, possui 4 mil quilômetros de pequenos rios enquanto que o rio principal tem apenas 220 quilômetros.
“Nessa região, entre 61% a 78% dos córregos já estão cercados pela plantação de cana-de-açúcar, eles não podem se dar ao luxo de ter mais áreas reduzidas”, afirmou.
Problemas agravados
Felipe Toledo, do Museu de Zoologia da Unicamp, falou sobre os possíveis impactos em anfíbios. Habitantes da água, dos biomas terrestres e das áreas de transição entre ambos, os anfíbios seriam um dos grupos mais afetados pela redução das matas ripárias.
“Em todo o mundo, os anfíbios formam o grupo mais ameaçado da natureza, com 32,5% das espécies sob risco”, disse. Bastante sensíveis às alterações ambientais, os anfíbios já são afetados pelos efeitos das mudanças climáticas globais, que secam trechos de riachos e lagos,expondo ovas a predadores e intempéries.
Por respirar através da pele, o grupo também tem sentido os efeitos do uso de defensivos agrícolas, sendo registrados muitos casos de má formação de sapos e rãs que os tornam presas fáceis de predadores. Todos esses problemas seriam agravados com a aprovação das mudanças no Código Florestal, segundo Toledo.
Como agravante, muitos anfíbios dependem de espécies específicas de plantas para se reproduzir. Alguns só se acasalam em bromélias, outros em certos tipos de bambus e uma espécie de rã depende de plantas com folhas dobráveis para o acasalamento. A perda desses vegetais poderia também representar o desaparecimento dos anfíbios que deles dependem.
Os impactos potenciais nos répteis foi apresentado por Otávio Marques, pesquisador do Instituto Butantan. O grupo taxonômico tem 20% de suas espécies sob ameaça de extinção em todo o planeta e a maior causa disso seria a perda dos habitats, o que seria agravado com a aprovação da proposta que está no Congresso.
“O atual código também erra ao permitir a compensação de uma área desmatada com a preservação de outra área dentro do mesmo bioma. Uma espécie que habita um local pode não viver em outro”, afirmou.
Sob o ponto de vista econômico, o país perde com a perda da biodiversidade. Anfíbios e répteis fornecem moléculas complexas que podem ser aplicadas em fármacos. “O anti-hipertensivo desenvolvido a partir do veneno da jararaca rende US$ 5 bilhões ao laboratório que o criou”, exemplificou Marques.
A ausência de anfíbios e peixes provocaria um aumento nas populações de insetos, representando um aumento de doenças na população e de pragas na agricultura, resultando em maior necessidade de agrotóxicos.
Novas doenças surgiriam no gado originadas pela perda do habitat de cervos, segundo apontou Mauro Galetti, professor do campus de Rio Claro da Unesp, que analisou os efeitos potenciais da revisão do Código Florestal sobre os mamíferos.
A proximidade do gado com os cervos que perdem seus ambientes provoca trocas de doenças entre as duas espécies. Boa parte dos mamíferos prefere viver próximos a matas ripárias e, de acordo com Galetti, a redução dessas matas exporia os animais a predadores, a caçadores e a acidentes como atropelamentos.
O ornitólogo Pedro Ferreira Develey, da Save Brasil, apontou que muitas aves dependem de pequenas ilhas de vegetação nativa, sendo que várias espécies não saem dessas matas. “Elas tem fotofobia e estão acostumadas a viver na sombra, por isso não saem para áreas abertas”, disse.
O Brasil tem 17 de suas espécies de aves ameaçadas de extinção habitando matas ripárias, por isso, reduzir esses biomas poderia ser o golpe de misericórdia para algumas delas, destacou Develey.
Vera Fonseca, professora do Instituto de Biologia da USP, falou sobre possíveis consequências para abelhas da proposta de revisão do código . “Responsáveis pela polinização de boa parte da produção agrícola brasileira, o desaparecimento de espécies desses insetos seria um desastre para inúmeras culturas, como o maracujá, o açaí, o cupuaçu e a castanha-do-pará”, disse.
Giselda Durigan, do Instituto Florestal, falou sobre o Cerrado, onde estão localizadas as principais bacias hidrográficas do Brasil. O bioma, ao mesmo tempo, é considerado o celeiro do país, por concentrar boa parte da produção agrícola nacional. A cientista narrou os esforços de se recuperar a vegetação nativa do Cerrado, em muitos casos impossível, devido ao alto nível de degradação do solo.
José Galizia Tundisi, do campus de São Carlos da USP, falou sobre os impactos hídricos que a redução de cobertura vegetal nativa prevista no novo código poderia trazer.
“Reduzir as matas ciliares que agem como tampões de proteção atingiria diretamente a qualidade das águas, aumentaria a toxicidade, reduziria ainda mais o nível dos rios por causa de assoreamento e encheria a água de sedimentos, aumentando o custo do tratamento”, disse.
Segundo Tundisi, na região do Baixo Cotia, em São Paulo, por exemplo, o custo para tratar mil metros cúbicos de água é de cerca de R$ 300. Em comparação, o tratamento da mesma quantidade em uma cidade que possui rios com proteção de matas ciliares em seus mananciais cai para R$ 2.
A própria agricultura seria prejudicada. “Aumentar a área agrícola reduzindo a mata ciliar reduzirá a água disponível. É um tiro no próprio pé”, disse.
Conservação com expansão
Sérgius Gandolfi, da Esalq-USP, previu um apagão hídrico e citou como exemplo a usina hidrelétrica de Assis Chateaubriand, no Mato Grosso do Sul, que viu seu reservatório desaparecer por causa dos danos causados aos pequenos rios que o abasteciam.
Gandolfi também criticou vários aspectos da proposta de revisão do Código Florestal, como a previsão de concessão de incentivos aos produtores rurais à guisa de incentivo ao reflorestamento.
“Isso é o mesmo que fazer o governo pagar para que industriais instalem filtros em suas fábricas. No Estado de São Paulo são 324.601 propriedades rurais, se o governo gastar R$ 10 para cada uma, serão mais de R$ 3 milhões em dinheiro público gastos para pagar uma obrigação dos produtores”, comparou.
O pesquisador também chamou a atenção para uma alteração que reduz ainda mais a área preservada. A versão atual do Código Florestal considera a margem do rio no período de cheia, chamado de leito maior. Entre as alterações previstas na revisão está a medição das margens a partir do leito menor, quando o rio está mais baixo.
“O assoreamento atingiria principalmente os rios mais frágeis, ou seja, os menores, que são cerca de 90% dos rios do país”, disse Gandolfi.
Rodrigues apresentou o programa desenvolvido na Esalq-USP de adequação ambientais de propriedades rurais. Sua equipe encontrou diversas propriedades com possibilidade de aumentar a área agrícola sem ferir o atual Código Florestal. “Não estão usando toda a área a que têm direito para plantar”, disse.
“Esse projeto de lei [a revisão do Código Florestal] veio em um momento muito ruim, pois vários proprietários rurais já estavam se conscientizando sobre a importância de cumprir o código atual”, disse Rodrigues, ressaltando que aqueles que se comprometeram a recuperar as áreas vigentes serão punidos com as alterações no código.
Geld Sparovek, também da Esalq-USP, explicou por que a conservação ambiental não impede a expansão das fronteiras agrícolas, apresentando vários estudos que mostram possibilidades de crescimento da área plantada sem atingir a vegetação a ser preservada.
Novo debate e alternativas
Nos encaminhamentos finais do encontro, os participantes decidiram que os sumários das apresentações serão encaminhados ao grupo de trabalho, organizado pela SBPC e ABC, que vem discutindo a proposta de mudança do Código Florestal.
Os palestrantes também se comprometeram a participar de uma segunda reunião, quando será apresentado um documento executivo que proponha alternativas.
Os pesquisadores concordam que é preciso rever e atualizar o Código Florestal Brasileiro, pois nas últimas décadas aumentou consideravelmente o conhecimento científico tanto em termos da biodiversidade brasileira como em termos da biologia da conservação, ecologia da paisagem e serviços ecossistêmicos.
“Portanto, o país tem condições transformar esse conhecimento em políticas públicas, como fez o Programa Biota-FAPESP aqui no Estado de São Paulo. Na avaliação dos pesquisadores, o substitutivo aprovado pela Comissão Especial do Câmara dos Deputados vai na contra mão do avanço do conhecimento, representando um grande retrocesso na legislação ambiental brasileira caso venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional”, afirmou Joly.
Outra proposta – que ainda será avaliada – será a organização de um debate com representantes da comunidade científica, políticos e jornalistas do país e do exterior. “O objetivo é tornar o debate público e mais acessível a toda a sociedade, pois mais de 80% da população brasileira vive em cidades e talvez não tenha condições de avaliar adequadamente as consequências das alterações propostas no Código Florestal”, disse.
“A reunião foi excelente pela qualidade das apresentações. Os pesquisadores já estavam preocupados com os aspectos salientados, eles já estavam trabalhando com essas questões há tempos. Isso demonstra uma consistência muito grande entre pesquisadores de diferentes áreas. Vamos reunir essas informações em um documento que sintetize o que foi apresentado para que, com ele, possamos abrir espaço para uma discussão mais ampla com lideranças do Congresso Nacional”, disse Joly.
da Agência Fapesp
Impactos potenciais da revisão no Código Florestal, em tramitação no Congresso Nacional, na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos foram debatidos por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, na semana passada, em evento organizado pelo programa Biota-FAPESP, na sede da Fundação.
Carlos Alfredo Joly, coordenador do Biota-FAPESP e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abriu o encontro lamentando a falta de participação da comunidade científica nas discussões sobre as alterações no atual Código Florestal – que preveem, por exemplo, reduções significativas nas áreas de preservação permanentes (APP) e anistia a desmatamentos feitos até 2008.
“Essa nossa crítica foi destacada em uma carta assinada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), as duas maiores representantes da comunidade científica”, disse Joly. As duas entidades deverão ampliar as discussões sobre o assunto por meio de um grupo de trabalho.
Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que coordenou o encontro junto com Joly, ressaltou que a proposta de revisão do código ensina importantes lições à comunidade científica, entre elas a importância de tomar iniciativas de mudanças antes que outros o façam.
“O Código Florestal atual vigora desde 1965 e nós [pesquisadores] não tínhamos nos preocupado em atualizá-lo até hoje”, disse Rodrigues, ressaltando a importância da pesquisa científica para sustentar políticas públicas.
Na parte da manhã, cientistas apresentaram os impactos que grupos taxonômicos específicos poderiam sofrer no caso de ser aprovada a proposta do novo código aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Os palestrantes foram convidados a usar suas apresentações como ponto de partida para artigos científicos, que serão submetidos para publicação na próxima edição da revista Biota Neotropica.
Lilian Casatti, professora do campus de São José do Rio Preto da Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre possíveis impactos aos peixes. Um dos principais problemas da proposta de revisão do código, segundo ela, seria a redução na largura das matas ripárias – que acompanham os cursos d’água – de 30 metros para 15 metros em riachos e ribeirões com menos de 5 metros de largura.
De acordo com a pesquisadora, isso afetaria a ictiofauna em vários aspectos. Sem a cobertura vegetal ciliar os peixes estariam mais expostos à luz solar. Espécies que possuem larvas sensíveis à radiação ultravioleta seriam reduzidas. Peixes que utilizam a identificação visual para selecionar parceiros também seriam prejudicados e várias cadeias tróficas seriam irremediavelmente alteradas.
“Muitos peixes se alimentam de determinados insetos que, por sua vez, alimentam-se de certas folhas dessas matas. Há estudos apontando que, com menos matas, os peixes perdem biomassa. causando perdas genéticas e até de espécies”, disse.
A perda da cobertura vegetal ripária também causaria o aumento na turbidez dos rios devido ao assoreamento, o qual também provocaria a entrada de poluentes no curso d’água.
Um dos maiores prejuízos seria a extinção de diversas espécies de peixes. Estudos realizados no Estado de São Paulo mostram que o maior número de espécies está concentrado em pequenos córregos. No Estado, foram encontradas 344 espécies – do total de 2.587 peixes brasileiros de água doce – e 66 estão ameaçadas, sendo que 45 vivem em pequenos ambientes.
“Essas espécies vivem em apenas 10 metros quadrados, em média, durante toda a vida”, disse Lilian, para ilustrar que até perdas de pequenas porções de vegetação natural podem resultar no desaparecimento de diversos táxons.
Segundo a professora da Unesp, os pequenos cursos d’água guardam uma grande diversidade genética que estaria ameaçada após as mudanças no Código Florestal. A região de São José dos Dourados (SP), estudada por Lilian, possui 4 mil quilômetros de pequenos rios enquanto que o rio principal tem apenas 220 quilômetros.
“Nessa região, entre 61% a 78% dos córregos já estão cercados pela plantação de cana-de-açúcar, eles não podem se dar ao luxo de ter mais áreas reduzidas”, afirmou.
Problemas agravados
Felipe Toledo, do Museu de Zoologia da Unicamp, falou sobre os possíveis impactos em anfíbios. Habitantes da água, dos biomas terrestres e das áreas de transição entre ambos, os anfíbios seriam um dos grupos mais afetados pela redução das matas ripárias.
“Em todo o mundo, os anfíbios formam o grupo mais ameaçado da natureza, com 32,5% das espécies sob risco”, disse. Bastante sensíveis às alterações ambientais, os anfíbios já são afetados pelos efeitos das mudanças climáticas globais, que secam trechos de riachos e lagos,expondo ovas a predadores e intempéries.
Por respirar através da pele, o grupo também tem sentido os efeitos do uso de defensivos agrícolas, sendo registrados muitos casos de má formação de sapos e rãs que os tornam presas fáceis de predadores. Todos esses problemas seriam agravados com a aprovação das mudanças no Código Florestal, segundo Toledo.
Como agravante, muitos anfíbios dependem de espécies específicas de plantas para se reproduzir. Alguns só se acasalam em bromélias, outros em certos tipos de bambus e uma espécie de rã depende de plantas com folhas dobráveis para o acasalamento. A perda desses vegetais poderia também representar o desaparecimento dos anfíbios que deles dependem.
Os impactos potenciais nos répteis foi apresentado por Otávio Marques, pesquisador do Instituto Butantan. O grupo taxonômico tem 20% de suas espécies sob ameaça de extinção em todo o planeta e a maior causa disso seria a perda dos habitats, o que seria agravado com a aprovação da proposta que está no Congresso.
“O atual código também erra ao permitir a compensação de uma área desmatada com a preservação de outra área dentro do mesmo bioma. Uma espécie que habita um local pode não viver em outro”, afirmou.
Sob o ponto de vista econômico, o país perde com a perda da biodiversidade. Anfíbios e répteis fornecem moléculas complexas que podem ser aplicadas em fármacos. “O anti-hipertensivo desenvolvido a partir do veneno da jararaca rende US$ 5 bilhões ao laboratório que o criou”, exemplificou Marques.
A ausência de anfíbios e peixes provocaria um aumento nas populações de insetos, representando um aumento de doenças na população e de pragas na agricultura, resultando em maior necessidade de agrotóxicos.
Novas doenças surgiriam no gado originadas pela perda do habitat de cervos, segundo apontou Mauro Galetti, professor do campus de Rio Claro da Unesp, que analisou os efeitos potenciais da revisão do Código Florestal sobre os mamíferos.
A proximidade do gado com os cervos que perdem seus ambientes provoca trocas de doenças entre as duas espécies. Boa parte dos mamíferos prefere viver próximos a matas ripárias e, de acordo com Galetti, a redução dessas matas exporia os animais a predadores, a caçadores e a acidentes como atropelamentos.
O ornitólogo Pedro Ferreira Develey, da Save Brasil, apontou que muitas aves dependem de pequenas ilhas de vegetação nativa, sendo que várias espécies não saem dessas matas. “Elas tem fotofobia e estão acostumadas a viver na sombra, por isso não saem para áreas abertas”, disse.
O Brasil tem 17 de suas espécies de aves ameaçadas de extinção habitando matas ripárias, por isso, reduzir esses biomas poderia ser o golpe de misericórdia para algumas delas, destacou Develey.
Vera Fonseca, professora do Instituto de Biologia da USP, falou sobre possíveis consequências para abelhas da proposta de revisão do código . “Responsáveis pela polinização de boa parte da produção agrícola brasileira, o desaparecimento de espécies desses insetos seria um desastre para inúmeras culturas, como o maracujá, o açaí, o cupuaçu e a castanha-do-pará”, disse.
Giselda Durigan, do Instituto Florestal, falou sobre o Cerrado, onde estão localizadas as principais bacias hidrográficas do Brasil. O bioma, ao mesmo tempo, é considerado o celeiro do país, por concentrar boa parte da produção agrícola nacional. A cientista narrou os esforços de se recuperar a vegetação nativa do Cerrado, em muitos casos impossível, devido ao alto nível de degradação do solo.
José Galizia Tundisi, do campus de São Carlos da USP, falou sobre os impactos hídricos que a redução de cobertura vegetal nativa prevista no novo código poderia trazer.
“Reduzir as matas ciliares que agem como tampões de proteção atingiria diretamente a qualidade das águas, aumentaria a toxicidade, reduziria ainda mais o nível dos rios por causa de assoreamento e encheria a água de sedimentos, aumentando o custo do tratamento”, disse.
Segundo Tundisi, na região do Baixo Cotia, em São Paulo, por exemplo, o custo para tratar mil metros cúbicos de água é de cerca de R$ 300. Em comparação, o tratamento da mesma quantidade em uma cidade que possui rios com proteção de matas ciliares em seus mananciais cai para R$ 2.
A própria agricultura seria prejudicada. “Aumentar a área agrícola reduzindo a mata ciliar reduzirá a água disponível. É um tiro no próprio pé”, disse.
Conservação com expansão
Sérgius Gandolfi, da Esalq-USP, previu um apagão hídrico e citou como exemplo a usina hidrelétrica de Assis Chateaubriand, no Mato Grosso do Sul, que viu seu reservatório desaparecer por causa dos danos causados aos pequenos rios que o abasteciam.
Gandolfi também criticou vários aspectos da proposta de revisão do Código Florestal, como a previsão de concessão de incentivos aos produtores rurais à guisa de incentivo ao reflorestamento.
“Isso é o mesmo que fazer o governo pagar para que industriais instalem filtros em suas fábricas. No Estado de São Paulo são 324.601 propriedades rurais, se o governo gastar R$ 10 para cada uma, serão mais de R$ 3 milhões em dinheiro público gastos para pagar uma obrigação dos produtores”, comparou.
O pesquisador também chamou a atenção para uma alteração que reduz ainda mais a área preservada. A versão atual do Código Florestal considera a margem do rio no período de cheia, chamado de leito maior. Entre as alterações previstas na revisão está a medição das margens a partir do leito menor, quando o rio está mais baixo.
“O assoreamento atingiria principalmente os rios mais frágeis, ou seja, os menores, que são cerca de 90% dos rios do país”, disse Gandolfi.
Rodrigues apresentou o programa desenvolvido na Esalq-USP de adequação ambientais de propriedades rurais. Sua equipe encontrou diversas propriedades com possibilidade de aumentar a área agrícola sem ferir o atual Código Florestal. “Não estão usando toda a área a que têm direito para plantar”, disse.
“Esse projeto de lei [a revisão do Código Florestal] veio em um momento muito ruim, pois vários proprietários rurais já estavam se conscientizando sobre a importância de cumprir o código atual”, disse Rodrigues, ressaltando que aqueles que se comprometeram a recuperar as áreas vigentes serão punidos com as alterações no código.
Geld Sparovek, também da Esalq-USP, explicou por que a conservação ambiental não impede a expansão das fronteiras agrícolas, apresentando vários estudos que mostram possibilidades de crescimento da área plantada sem atingir a vegetação a ser preservada.
Novo debate e alternativas
Nos encaminhamentos finais do encontro, os participantes decidiram que os sumários das apresentações serão encaminhados ao grupo de trabalho, organizado pela SBPC e ABC, que vem discutindo a proposta de mudança do Código Florestal.
Os palestrantes também se comprometeram a participar de uma segunda reunião, quando será apresentado um documento executivo que proponha alternativas.
Os pesquisadores concordam que é preciso rever e atualizar o Código Florestal Brasileiro, pois nas últimas décadas aumentou consideravelmente o conhecimento científico tanto em termos da biodiversidade brasileira como em termos da biologia da conservação, ecologia da paisagem e serviços ecossistêmicos.
“Portanto, o país tem condições transformar esse conhecimento em políticas públicas, como fez o Programa Biota-FAPESP aqui no Estado de São Paulo. Na avaliação dos pesquisadores, o substitutivo aprovado pela Comissão Especial do Câmara dos Deputados vai na contra mão do avanço do conhecimento, representando um grande retrocesso na legislação ambiental brasileira caso venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional”, afirmou Joly.
Outra proposta – que ainda será avaliada – será a organização de um debate com representantes da comunidade científica, políticos e jornalistas do país e do exterior. “O objetivo é tornar o debate público e mais acessível a toda a sociedade, pois mais de 80% da população brasileira vive em cidades e talvez não tenha condições de avaliar adequadamente as consequências das alterações propostas no Código Florestal”, disse.
“A reunião foi excelente pela qualidade das apresentações. Os pesquisadores já estavam preocupados com os aspectos salientados, eles já estavam trabalhando com essas questões há tempos. Isso demonstra uma consistência muito grande entre pesquisadores de diferentes áreas. Vamos reunir essas informações em um documento que sintetize o que foi apresentado para que, com ele, possamos abrir espaço para uma discussão mais ampla com lideranças do Congresso Nacional”, disse Joly.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Novo Código Florestal ameaça espécies, dizem cientistas
SABINE RIGHETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se for implantado o novo Código Florestal, aprovado no mês passado por uma comissão da Câmara, os impactos negativos na fauna brasileira --como redução e até extinção de algumas espécies- poderão ser sentidos já nos próximos cinco anos.
Segundo Rebelo,crítica a projeto é "leviandade"
A análise é de cientistas que lotaram ontem o auditório da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para discutir o projeto de lei proposto pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). De acordo com eles, o código não contou com a comunidade científica para ser elaborado.
O novo código, que ainda precisa ser votado no Congresso, encolhe as APPs (áreas de proteção permanente), entre outras medidas. A redução de 30 m para 15 m das APPs nas margens dos riachos (com até 5 m de largura), que compõem 90% da malha hidrográfica nacional, é um dos pontos críticos.
Matas na beira dos rios são importantes para os bichos terrestres e os debaixo d'água, pois fornecem insetos e material orgânico aos peixes.
"Em São Paulo, 45 das 66 espécies de peixes de água doce ameaçadas de extinção estão justamente nos riachos", relata a bióloga Lilian Casatti, da Unesp.
Editoria de Arte/Folhapress
OS SEM-FLORESTA
Répteis e anfíbios, que vivem em regiões alagadas, também sofrerão impactos, com menos vegetação às margens dos pequenos rios. "Onde há menos proteção de APPs pelo novo código é onde há mais biodiversidade", analisa o biólogo Luis Felipe Toledo, da Unicamp.
No caso dos répteis, o novo código afeta também um outro habitat natural: as montanhas. Isso porque áreas acima de 1.800 m deixam de ser consideradas APPs e recebem permissão legal para serem desmatadas.
Para Otávio Marques, biólogo do Instituto Butantan, a preservação dos répteis é importante inclusive do ponto de vista da saúde pública. "O veneno da jararaca, por exemplo, possui uma molécula que controla a hipertensão e deu origem a um dos principais medicamentos da doença", destaca.
CORREDORES
O espaço menor para as florestas na beira dos rios pode afetar também certas populações ameaçadas e restritas de aves e mamíferos.
Ambos usam as margens preservadas como habitat ou como caminho para migrar de uma "ilha" de floresta preservada para outra. "Sem isso, os bichos escapam para o meio urbano ou para áreas de pastagens e acabam morrendo", diz Mauro Galetti, biólogo da Unesp.
O encontro realizado na Fapesp deverá resultar em um documento para integrar as discussões da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) sobre o novo Código Florestal.
Fonte:http://tools.folha.com.br/print?url=http%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fambiente%2F777507-novo-codigo-florestal-ameaca-especies-dizem-cientistas.shtml&site=emcimadahora
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se for implantado o novo Código Florestal, aprovado no mês passado por uma comissão da Câmara, os impactos negativos na fauna brasileira --como redução e até extinção de algumas espécies- poderão ser sentidos já nos próximos cinco anos.
Segundo Rebelo,crítica a projeto é "leviandade"
A análise é de cientistas que lotaram ontem o auditório da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para discutir o projeto de lei proposto pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). De acordo com eles, o código não contou com a comunidade científica para ser elaborado.
O novo código, que ainda precisa ser votado no Congresso, encolhe as APPs (áreas de proteção permanente), entre outras medidas. A redução de 30 m para 15 m das APPs nas margens dos riachos (com até 5 m de largura), que compõem 90% da malha hidrográfica nacional, é um dos pontos críticos.
Matas na beira dos rios são importantes para os bichos terrestres e os debaixo d'água, pois fornecem insetos e material orgânico aos peixes.
"Em São Paulo, 45 das 66 espécies de peixes de água doce ameaçadas de extinção estão justamente nos riachos", relata a bióloga Lilian Casatti, da Unesp.
Editoria de Arte/Folhapress
OS SEM-FLORESTA
Répteis e anfíbios, que vivem em regiões alagadas, também sofrerão impactos, com menos vegetação às margens dos pequenos rios. "Onde há menos proteção de APPs pelo novo código é onde há mais biodiversidade", analisa o biólogo Luis Felipe Toledo, da Unicamp.
No caso dos répteis, o novo código afeta também um outro habitat natural: as montanhas. Isso porque áreas acima de 1.800 m deixam de ser consideradas APPs e recebem permissão legal para serem desmatadas.
Para Otávio Marques, biólogo do Instituto Butantan, a preservação dos répteis é importante inclusive do ponto de vista da saúde pública. "O veneno da jararaca, por exemplo, possui uma molécula que controla a hipertensão e deu origem a um dos principais medicamentos da doença", destaca.
CORREDORES
O espaço menor para as florestas na beira dos rios pode afetar também certas populações ameaçadas e restritas de aves e mamíferos.
Ambos usam as margens preservadas como habitat ou como caminho para migrar de uma "ilha" de floresta preservada para outra. "Sem isso, os bichos escapam para o meio urbano ou para áreas de pastagens e acabam morrendo", diz Mauro Galetti, biólogo da Unesp.
O encontro realizado na Fapesp deverá resultar em um documento para integrar as discussões da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) sobre o novo Código Florestal.
Fonte:http://tools.folha.com.br/print?url=http%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fambiente%2F777507-novo-codigo-florestal-ameaca-especies-dizem-cientistas.shtml&site=emcimadahora
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
A alimentação dos brasileiros está cada vez mais envenenada
Pesquisadores e movimentos sociais alertam sobre a duplicação em um ano dos índices de uso de agrotóxicos no Brasil
Pedro Carrano, de Curitiba
para o Brasil de Fato
O brasileiro ingeriu, em média, 3,7 quilos de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca de 713 milhões de toneladas de produtos comercializadas no país por cerca de seis corporações transnacionais. Estas empresas controlam toda a cadeia produtiva, da semente ao agroquímico ligado a ela. Uma condição que pressiona o agricultor familiar, refém da compra do “pacote tecnológico” gerador da dependência na produção. O capital dessas companhias do ramo é maior que o produto interno bruto da maioria dos países da Organização das Nações Unidas. Só no Brasil lucraram 6,8 bilhões de dólares em 2009.
Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008. Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar, soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças (veja tabela) são produtos do dia-a-dia que passaram a ter alto índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentração do mercado de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na soja e no milho
Pedro Carrano, de Curitiba
para o Brasil de Fato
O brasileiro ingeriu, em média, 3,7 quilos de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca de 713 milhões de toneladas de produtos comercializadas no país por cerca de seis corporações transnacionais. Estas empresas controlam toda a cadeia produtiva, da semente ao agroquímico ligado a ela. Uma condição que pressiona o agricultor familiar, refém da compra do “pacote tecnológico” gerador da dependência na produção. O capital dessas companhias do ramo é maior que o produto interno bruto da maioria dos países da Organização das Nações Unidas. Só no Brasil lucraram 6,8 bilhões de dólares em 2009.
Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008. Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar, soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças (veja tabela) são produtos do dia-a-dia que passaram a ter alto índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentração do mercado de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na soja e no milho
terça-feira, 20 de julho de 2010
Revisão sem sustentação científica
Por Fábio de Castro
da Agência FAPESP
A revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, está provocando sérias preocupações na comunidade científica e suscitando diversas manifestações no Brasil e no exterior.
Com uma possível aprovação do relatório que propõe mudanças na legislação ambiental, o Brasil estaria “arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século, com consequências críticas e irreversíveis que irão além das fronteiras do país”, segundo carta redigida por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP e publicada na sexta-feira (16/7), na revista Science.
O texto é assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.
As novas regras, segundo eles, reduzirão a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, “as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente” e, a partir de simples análises da relação espécies-área, é possível prever “a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”.
A comunidade científica, de acordo com o texto, foi “amplamente ignorada durante a elaboração” do relatório de revisão do Código Florestal. A mesma crítica foi apresentada em carta enviada por duas das principais instituições científicas do país, no dia 25 de junho, à Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara dos Deputados.
Assinada por Jacob Palis e Marco Antonio Raupp, respectivamente presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a carta defende que o Código Florestal, embora passível de aperfeiçoamentos, é a “peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo”.
A reformulação do código, segundo o texto, baseia-se na “premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira” e “não foi feita sob a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos”.
Entre as consequências de uma aprovação da proposta de reformulação, a carta menciona um “aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis”, a “aceleração da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras”, o estímulo à “impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente”, um “decréscimo acentuado da biodiversidade, o aumento das emissões de carbono para a atmosfera” e o “aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos”.
No dia 16 de junho, as lideranças da Câmara dos Deputados também receberam carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP –, que fez duras críticas ao relatório de reformulação da legislação.
Reconhecido como um dos principais conhecedores do bioma amazônico, Ab’Sáber defendeu que, “se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território”. Segundo o geógrafo, a proposta foi apresentada anteriormente ao Governo Federal, mas a resposta era de que se tratava de “uma ideia boa mas complexa e inoportuna”.
No documento, Ab’Sáber afirma que “as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva”. Segundo ele, “enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico”.
Mudanças para pior
De acordo com Joly, que é coordenador do Biota-FAPESP, caso a reformulação seja aprovada, o Código Florestal mudará para pior em vários aspectos. “Essas manifestações da comunidade científica vão continuar, porque a situação é muito grave. Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões”, disse à Agência FAPESP.
Segundo ele, as mudanças terão impacto negativo sobre a conformação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) e sobre o funcionamento da regularização de propriedades em situação ilegal. Atualmente, explica, os proprietários que não possuem RL ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar as áreas degradadas, ou quando realizarem desmatamento ilegal. Nessas condições, podem até mesmo ter sua produção embargada.
“Mas se a proposta de mudança for aprovada, os Estados terão cinco anos, após a aprovação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período ninguém poderá ser multado e as multas já aplicadas serão suspensas. Aqueles que aderirem à regularização poderão ser dispensados definitivamente do pagamento de multas. Ficarão livres também da obrigação de recuperar as áreas ilegalmente desmatadas”, explicou.
Em relação às APPs, a legislação atual protege no mínimo 30 metros de extensão a partir das margens de rios, encostas íngremes, topos de morros e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.
Se a nova proposta for aprovada, a faixa mínima de proteção nas beiras de rios será reduzida a 15 metros. Topos de morro e áreas acima de 1.800 metros deixam de ser protegidas. As demais áreas, mesmo formalmente protegidas, poderão ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e forem consideradas “áreas consolidadas”.
“As principais candidatas a se tornar áreas consolidadas são justamente as áreas irregularmente ocupadas, que sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios. Como não haverá recuperação e as ocupações permanecerão, essas áreas serão condenadas a conviver eternamente com esses problemas, perpetuando tragédias como as de Angra dos Reis, do Vale do Itajaí e Alagoas”, disse Joly.
No que diz respeito à RL, a lei atual impõe um mínimo de vegetação nativa em todas as propriedades: de 20% do tamanho dos imóveis situados em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas e, na Amazônia Legal, 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada precisa recuperar espécies nativas ou compensar a falta de reserva no imóvel com o arrendamento de outra área preservada situada na mesma bacia hidrográfica.
Com a nova proposta, as propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso o desmatamento tenha ocorrido até a promulgação da lei. Nas demais propriedades será preciso recuperar a vegetação, mas o cálculo não será feito com base na área total do imóvel: a base de cálculo é a área que exceder quatro módulos fiscais.
Além disso, as compensações poderão ser feitas com áreas situadas a milhares de quilômetros da propriedade, desde que no mesmo bioma. O proprietário terá também a opção de fazer a compensação em dinheiro, com doação a um fundo para regularização de unidades de conservação.
“Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no Sul e Sudeste, haverá grandes áreas do país em que simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são essas áreas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação ‘consolidada’. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas da obrigação de recuperação – algo que já está ocorrendo”, destacou Joly.
A proposta de reformulação proíbe a fragmentação das propriedades. Mas, segundo Joly, a fiscalização e coibição é extremamente difícil e, por isso, a anistia não ficará restrita às pequenas propriedades. “Os poucos que forem obrigados a recompor áreas desmatadas poderão fazer isso com espécies exóticas em até metade da propriedade, ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, dificultando a fiscalização”, disse.
Desproteção e impacto nas águas
Ricardo Ribeiro Rodrigues, que coordenou o programa Biota-FAPESP de 2004 a 2008, criticou o principal argumento para a defesa da reforma do Código Florestal: a alegação de que não existe mais área disponível para expansão da agricultura brasileira.
“O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade”, afirmou.
Segundo ele, o entorno das rodovias Dutra e D. Pedro, na região da Serra da Mantiqueira e Serra do Mar, são exemplos de áreas de uso agrícola inadequado que poderiam ser revertidas para florestas nativas, para compensação de RL de fazendas com elevada aptidão agrícola. “Se isso não for feito, essas áreas continuarão sendo mal utilizadas. Podemos encontrar exemplos semelhantes em todo o território brasileiro”, disse.
Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração, segundo Rodrigues, é a anistia proposta para as APPs irregulares. “Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido”, explicou.
Segundo ele, um inventário produzido pelo Biota-FAPESP este ano mostra que mais de 70% dos remanescentes florestais no Brasil estão fora das Unidades de Conservação e se localizam em propriedades privadas. “Se não tivermos mecanismos legais para a conservação dessas áreas – como a RL e APP do código atual – elas vão ser degradadas depois da moratória de cinco anos determinada na proposta de alteração do Código”, afirmou.
A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água. De acordo com José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, de São Carlos (SP), com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.
“A preservação de mosaicos de vegetação, florestas ripárias – ou matas ciliares – e de áreas alagadas é fundamental para a manutenção da qualidade da água de rios, lagos e represas. Essa vegetação garante a capacidade dos sistemas para regular o transporte de nutrientes e o escoamento de metais e poluentes. Esses processos atingem tanto as águas superficiais como as subterrâneas”, disse à Agência FAPESP.
O processo de recarga dos aquíferos, segundo Tundisi, também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa e os aquíferos secam.
Tundisi criticou também a diminuição da delimitação das áreas preservadas em torno de rios. “Essa delimitação de faixas marginais é sempre artificial, seja qual for a metragem. Não é possível estabelecer de forma geral uma área de preservação de 15 metros dos dois lados do leito dos rios. Seria preciso delimitar caso a caso, porque a necessidade de preservação varia de acordo com a ecologia do entorno e os padrões de inundação do sistema. A delimitação deve ter caráter ecológico e não se basear em metragens”, ressaltou.
A modificação na legislação, para Tundisi, vai na contramão das necessidades de preservação ambiental. “Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo. Enquanto existem movimentos mundiais para a preservação de várzeas, nós corremos o risco de ir na contramão”, afirmou.
Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio. “Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibildade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida”, disse.
A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água. “Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais”, disse o cientista.
Argumentação desmontada
Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Cena-USP e professor convidado da Universidade de Stanford, afirma que o Código Florestal, criado em 1965, de fato tem pontos que necessitam de revisão, em especial no que diz respeito aos pequenos agricultores, cujas propriedades eventualmente são pequenas demais para comportar a presença das APPs e a RL.
“Mas, qualquer que seja a reformulação, ela deve ter uma base científica sólida. Essa foi a grande falha da modificação proposta, que teve o objetivo político específico de destruir ‘empecilhos’ ambientais à expansão da fronteira agrícola a qualquer custo”, disse Martinelli.
Segundo ele, o argumento central da proposta de reformulação foi construído a partir de um “relatório cientificamente incorreto encomendado diretamente pelo Ministério da Agricultura a um pesquisador ligado a uma instituição brasileira de pesquisa”.
“O relatório concluía que não haveria área suficiente para a expansão agrícola no país, caso a legislação ambiental vigente fosse cumprida ao pé da letra. O documento, no entanto, foi produzido de forma tão errônea que alguns pesquisadores envolvidos em sua elaboração se negaram a assiná-lo”, apontou.
O principal argumento para as reformas, segundo o pesquisador, baseia-se na alegação de que há um estrangulamento da expansão de terras agrícolas, supostamente bloqueado pelas APPs e RL. Para os proponentes da mudança, esses mecanismos de proteção ambiental tornam a legislação atual excessivamente rigorosa, bloqueando o avanço do agronegócio. Esse bloqueio, no entanto, não existe, afirma. “A falácia desse argumento foi cientificamente desmontada.”
Martinelli cita estudo coordenado por Gerd Sparovek, pesquisador da Esalq-USP, que usou sensoriamento remoto para concluir que a área cultivada no Brasil poderá ser praticamente dobrada se as áreas hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade forem realocadas para o cultivo agrícola.
“Melhorando a eficiência da pecuária em outras áreas por meio de técnicas já conhecidas, não há qualquer necessidade de avançar sobre a vegetação natural protegida pelo Código Florestal atual”, disse.
As pastagens ocupam hoje, segundo Martinelli, cerca de 200 milhões de hectares, com aproximadamente 190 milhões de cabeças de gado. “Caso dobremos a lotação de uma para duas cabeças de gado, liberamos cerca de 100 milhões de hectares. A área ocupada pelas três maiores culturas – soja, milho e cana – cobrem uma área aproximada de 45 milhões de hectares. Portanto, com medidas simples de manejo poderemos devolver para a agricultura uma área equivalente ao dobro ocupado pelas três maiores culturas brasileiras”, afirmou.
A operação não seria tão simples, segundo o pesquisador, já que envolve questões de preço da terra e mercado agrícola, por exemplo. Mas a aproximação dá uma ideia de como é possível gerar terras agriculturáveis sem derrubar nenhuma árvore.
Para o pesquisador do Cena-USP, a maior parte das reformulações propostas tem o único propósito de aumentar a área agrícola a baixo custo. “O mais paradoxal é que as mudanças beneficiam muito mais os proprietários de grandes extensões de terra do que pequenos produtores”, disse.
Martinelli afirmou ainda que não acredita que as mudanças no Código Florestal possam beneficiar o desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil. Segundo ele, se houvesse preocupação real com a produção de alimentos, o governo deveria ampliar e facilitar o crédito ao pequenos produtores, investir em infraestrutura – como estradas e armazenamento – para auxiliar o escoamento desses produtos e, principalmente, investir maciçamente em pesquisas que beneficiassem essas culturas visando a aumentar sua produtividade.
“Quem sabe com um aumento considerável na produtividade pequenos agricultores pudessem manter suas áreas de preservação permanente e suas áreas de reserva legal, gerando vários serviços ambientais que são fundamentais para a agricultura”, disse.
Novos debates
No dia 7 de julho, a SBPC reuniu em sua sede em São Paulo um grupo de cientistas ligados à temática do meio ambiente para iniciar uma análise aprofundada sobre o assunto, do ponto de vista econômico, ambiental e científico.
O evento teve a participação de Raupp, Ab’Sáber, Joly, Martinelli, Rodrigues, além de Ladislau Skorupa, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e João de Deus Medeiros, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Os cientistas formaram um grupo de trabalho para emitir pareceres sobre as mudanças do Código Florestal. Na Reunião Anual da SBPC, que será realizada em Natal (RN) entre 25 e 30 de julho, uma mesa-redonda discutirá o tema.
Outra reunião, prevista para a segunda quinzena de agosto, deverá sistematizar todas as sugestões do grupo em um documento a ser divulgado nos meios de comunicação e encaminhado aos congressistas.
No dia 3 de agosto, o programa BIOTA-FAPESP realizará o evento técnico-científico "Impactos potenciais das alterações do Código Florestal Brasileiro na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos". Na oportunidade, especialistas farão uma avaliação dos possíveis impactos que as alterações do Código terão sobre grupos taxonômicos específicos (vertebrados e alguns grupos de invertebrados), bem como em termos de formações (Mata Atlântica e Cerrado) e de serviços ecossistêmicos (como ciclos biogeoquímicos e manutenção de populações de polinizadores). Além de reforçar a base cientifica sobre a importância das APP e de RL para conservação da biodiversidade, o evento visa a subsidiar a ABC e a SBPC no posicionamento sobre essa temática.
fonte: www.mst.org.br
da Agência FAPESP
A revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, está provocando sérias preocupações na comunidade científica e suscitando diversas manifestações no Brasil e no exterior.
Com uma possível aprovação do relatório que propõe mudanças na legislação ambiental, o Brasil estaria “arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século, com consequências críticas e irreversíveis que irão além das fronteiras do país”, segundo carta redigida por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP e publicada na sexta-feira (16/7), na revista Science.
O texto é assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.
As novas regras, segundo eles, reduzirão a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, “as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente” e, a partir de simples análises da relação espécies-área, é possível prever “a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”.
A comunidade científica, de acordo com o texto, foi “amplamente ignorada durante a elaboração” do relatório de revisão do Código Florestal. A mesma crítica foi apresentada em carta enviada por duas das principais instituições científicas do país, no dia 25 de junho, à Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara dos Deputados.
Assinada por Jacob Palis e Marco Antonio Raupp, respectivamente presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a carta defende que o Código Florestal, embora passível de aperfeiçoamentos, é a “peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo”.
A reformulação do código, segundo o texto, baseia-se na “premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira” e “não foi feita sob a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos”.
Entre as consequências de uma aprovação da proposta de reformulação, a carta menciona um “aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis”, a “aceleração da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras”, o estímulo à “impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente”, um “decréscimo acentuado da biodiversidade, o aumento das emissões de carbono para a atmosfera” e o “aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos”.
No dia 16 de junho, as lideranças da Câmara dos Deputados também receberam carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP –, que fez duras críticas ao relatório de reformulação da legislação.
Reconhecido como um dos principais conhecedores do bioma amazônico, Ab’Sáber defendeu que, “se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território”. Segundo o geógrafo, a proposta foi apresentada anteriormente ao Governo Federal, mas a resposta era de que se tratava de “uma ideia boa mas complexa e inoportuna”.
No documento, Ab’Sáber afirma que “as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva”. Segundo ele, “enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico”.
Mudanças para pior
De acordo com Joly, que é coordenador do Biota-FAPESP, caso a reformulação seja aprovada, o Código Florestal mudará para pior em vários aspectos. “Essas manifestações da comunidade científica vão continuar, porque a situação é muito grave. Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões”, disse à Agência FAPESP.
Segundo ele, as mudanças terão impacto negativo sobre a conformação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) e sobre o funcionamento da regularização de propriedades em situação ilegal. Atualmente, explica, os proprietários que não possuem RL ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar as áreas degradadas, ou quando realizarem desmatamento ilegal. Nessas condições, podem até mesmo ter sua produção embargada.
“Mas se a proposta de mudança for aprovada, os Estados terão cinco anos, após a aprovação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período ninguém poderá ser multado e as multas já aplicadas serão suspensas. Aqueles que aderirem à regularização poderão ser dispensados definitivamente do pagamento de multas. Ficarão livres também da obrigação de recuperar as áreas ilegalmente desmatadas”, explicou.
Em relação às APPs, a legislação atual protege no mínimo 30 metros de extensão a partir das margens de rios, encostas íngremes, topos de morros e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.
Se a nova proposta for aprovada, a faixa mínima de proteção nas beiras de rios será reduzida a 15 metros. Topos de morro e áreas acima de 1.800 metros deixam de ser protegidas. As demais áreas, mesmo formalmente protegidas, poderão ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e forem consideradas “áreas consolidadas”.
“As principais candidatas a se tornar áreas consolidadas são justamente as áreas irregularmente ocupadas, que sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios. Como não haverá recuperação e as ocupações permanecerão, essas áreas serão condenadas a conviver eternamente com esses problemas, perpetuando tragédias como as de Angra dos Reis, do Vale do Itajaí e Alagoas”, disse Joly.
No que diz respeito à RL, a lei atual impõe um mínimo de vegetação nativa em todas as propriedades: de 20% do tamanho dos imóveis situados em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas e, na Amazônia Legal, 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada precisa recuperar espécies nativas ou compensar a falta de reserva no imóvel com o arrendamento de outra área preservada situada na mesma bacia hidrográfica.
Com a nova proposta, as propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso o desmatamento tenha ocorrido até a promulgação da lei. Nas demais propriedades será preciso recuperar a vegetação, mas o cálculo não será feito com base na área total do imóvel: a base de cálculo é a área que exceder quatro módulos fiscais.
Além disso, as compensações poderão ser feitas com áreas situadas a milhares de quilômetros da propriedade, desde que no mesmo bioma. O proprietário terá também a opção de fazer a compensação em dinheiro, com doação a um fundo para regularização de unidades de conservação.
“Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no Sul e Sudeste, haverá grandes áreas do país em que simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são essas áreas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação ‘consolidada’. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas da obrigação de recuperação – algo que já está ocorrendo”, destacou Joly.
A proposta de reformulação proíbe a fragmentação das propriedades. Mas, segundo Joly, a fiscalização e coibição é extremamente difícil e, por isso, a anistia não ficará restrita às pequenas propriedades. “Os poucos que forem obrigados a recompor áreas desmatadas poderão fazer isso com espécies exóticas em até metade da propriedade, ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, dificultando a fiscalização”, disse.
Desproteção e impacto nas águas
Ricardo Ribeiro Rodrigues, que coordenou o programa Biota-FAPESP de 2004 a 2008, criticou o principal argumento para a defesa da reforma do Código Florestal: a alegação de que não existe mais área disponível para expansão da agricultura brasileira.
“O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade”, afirmou.
Segundo ele, o entorno das rodovias Dutra e D. Pedro, na região da Serra da Mantiqueira e Serra do Mar, são exemplos de áreas de uso agrícola inadequado que poderiam ser revertidas para florestas nativas, para compensação de RL de fazendas com elevada aptidão agrícola. “Se isso não for feito, essas áreas continuarão sendo mal utilizadas. Podemos encontrar exemplos semelhantes em todo o território brasileiro”, disse.
Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração, segundo Rodrigues, é a anistia proposta para as APPs irregulares. “Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido”, explicou.
Segundo ele, um inventário produzido pelo Biota-FAPESP este ano mostra que mais de 70% dos remanescentes florestais no Brasil estão fora das Unidades de Conservação e se localizam em propriedades privadas. “Se não tivermos mecanismos legais para a conservação dessas áreas – como a RL e APP do código atual – elas vão ser degradadas depois da moratória de cinco anos determinada na proposta de alteração do Código”, afirmou.
A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água. De acordo com José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, de São Carlos (SP), com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.
“A preservação de mosaicos de vegetação, florestas ripárias – ou matas ciliares – e de áreas alagadas é fundamental para a manutenção da qualidade da água de rios, lagos e represas. Essa vegetação garante a capacidade dos sistemas para regular o transporte de nutrientes e o escoamento de metais e poluentes. Esses processos atingem tanto as águas superficiais como as subterrâneas”, disse à Agência FAPESP.
O processo de recarga dos aquíferos, segundo Tundisi, também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa e os aquíferos secam.
Tundisi criticou também a diminuição da delimitação das áreas preservadas em torno de rios. “Essa delimitação de faixas marginais é sempre artificial, seja qual for a metragem. Não é possível estabelecer de forma geral uma área de preservação de 15 metros dos dois lados do leito dos rios. Seria preciso delimitar caso a caso, porque a necessidade de preservação varia de acordo com a ecologia do entorno e os padrões de inundação do sistema. A delimitação deve ter caráter ecológico e não se basear em metragens”, ressaltou.
A modificação na legislação, para Tundisi, vai na contramão das necessidades de preservação ambiental. “Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo. Enquanto existem movimentos mundiais para a preservação de várzeas, nós corremos o risco de ir na contramão”, afirmou.
Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio. “Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibildade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida”, disse.
A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água. “Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais”, disse o cientista.
Argumentação desmontada
Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Cena-USP e professor convidado da Universidade de Stanford, afirma que o Código Florestal, criado em 1965, de fato tem pontos que necessitam de revisão, em especial no que diz respeito aos pequenos agricultores, cujas propriedades eventualmente são pequenas demais para comportar a presença das APPs e a RL.
“Mas, qualquer que seja a reformulação, ela deve ter uma base científica sólida. Essa foi a grande falha da modificação proposta, que teve o objetivo político específico de destruir ‘empecilhos’ ambientais à expansão da fronteira agrícola a qualquer custo”, disse Martinelli.
Segundo ele, o argumento central da proposta de reformulação foi construído a partir de um “relatório cientificamente incorreto encomendado diretamente pelo Ministério da Agricultura a um pesquisador ligado a uma instituição brasileira de pesquisa”.
“O relatório concluía que não haveria área suficiente para a expansão agrícola no país, caso a legislação ambiental vigente fosse cumprida ao pé da letra. O documento, no entanto, foi produzido de forma tão errônea que alguns pesquisadores envolvidos em sua elaboração se negaram a assiná-lo”, apontou.
O principal argumento para as reformas, segundo o pesquisador, baseia-se na alegação de que há um estrangulamento da expansão de terras agrícolas, supostamente bloqueado pelas APPs e RL. Para os proponentes da mudança, esses mecanismos de proteção ambiental tornam a legislação atual excessivamente rigorosa, bloqueando o avanço do agronegócio. Esse bloqueio, no entanto, não existe, afirma. “A falácia desse argumento foi cientificamente desmontada.”
Martinelli cita estudo coordenado por Gerd Sparovek, pesquisador da Esalq-USP, que usou sensoriamento remoto para concluir que a área cultivada no Brasil poderá ser praticamente dobrada se as áreas hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade forem realocadas para o cultivo agrícola.
“Melhorando a eficiência da pecuária em outras áreas por meio de técnicas já conhecidas, não há qualquer necessidade de avançar sobre a vegetação natural protegida pelo Código Florestal atual”, disse.
As pastagens ocupam hoje, segundo Martinelli, cerca de 200 milhões de hectares, com aproximadamente 190 milhões de cabeças de gado. “Caso dobremos a lotação de uma para duas cabeças de gado, liberamos cerca de 100 milhões de hectares. A área ocupada pelas três maiores culturas – soja, milho e cana – cobrem uma área aproximada de 45 milhões de hectares. Portanto, com medidas simples de manejo poderemos devolver para a agricultura uma área equivalente ao dobro ocupado pelas três maiores culturas brasileiras”, afirmou.
A operação não seria tão simples, segundo o pesquisador, já que envolve questões de preço da terra e mercado agrícola, por exemplo. Mas a aproximação dá uma ideia de como é possível gerar terras agriculturáveis sem derrubar nenhuma árvore.
Para o pesquisador do Cena-USP, a maior parte das reformulações propostas tem o único propósito de aumentar a área agrícola a baixo custo. “O mais paradoxal é que as mudanças beneficiam muito mais os proprietários de grandes extensões de terra do que pequenos produtores”, disse.
Martinelli afirmou ainda que não acredita que as mudanças no Código Florestal possam beneficiar o desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil. Segundo ele, se houvesse preocupação real com a produção de alimentos, o governo deveria ampliar e facilitar o crédito ao pequenos produtores, investir em infraestrutura – como estradas e armazenamento – para auxiliar o escoamento desses produtos e, principalmente, investir maciçamente em pesquisas que beneficiassem essas culturas visando a aumentar sua produtividade.
“Quem sabe com um aumento considerável na produtividade pequenos agricultores pudessem manter suas áreas de preservação permanente e suas áreas de reserva legal, gerando vários serviços ambientais que são fundamentais para a agricultura”, disse.
Novos debates
No dia 7 de julho, a SBPC reuniu em sua sede em São Paulo um grupo de cientistas ligados à temática do meio ambiente para iniciar uma análise aprofundada sobre o assunto, do ponto de vista econômico, ambiental e científico.
O evento teve a participação de Raupp, Ab’Sáber, Joly, Martinelli, Rodrigues, além de Ladislau Skorupa, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e João de Deus Medeiros, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Os cientistas formaram um grupo de trabalho para emitir pareceres sobre as mudanças do Código Florestal. Na Reunião Anual da SBPC, que será realizada em Natal (RN) entre 25 e 30 de julho, uma mesa-redonda discutirá o tema.
Outra reunião, prevista para a segunda quinzena de agosto, deverá sistematizar todas as sugestões do grupo em um documento a ser divulgado nos meios de comunicação e encaminhado aos congressistas.
No dia 3 de agosto, o programa BIOTA-FAPESP realizará o evento técnico-científico "Impactos potenciais das alterações do Código Florestal Brasileiro na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos". Na oportunidade, especialistas farão uma avaliação dos possíveis impactos que as alterações do Código terão sobre grupos taxonômicos específicos (vertebrados e alguns grupos de invertebrados), bem como em termos de formações (Mata Atlântica e Cerrado) e de serviços ecossistêmicos (como ciclos biogeoquímicos e manutenção de populações de polinizadores). Além de reforçar a base cientifica sobre a importância das APP e de RL para conservação da biodiversidade, o evento visa a subsidiar a ABC e a SBPC no posicionamento sobre essa temática.
fonte: www.mst.org.br
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